O Ministério da Educação (MEC) anunciou a aprovação, pelo Senado, de empréstimo no valor de US$ 250 milhões no Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), o Banco Mundial. Conforme o ministro da Educação, Rossieli Soares, esse dinheiro será destinado à "melhoria" do Ensino Médio, por meio de programas voltados à execução da chamada "reforma". A reportagem é da Rede Brasil Atual.
Ao longo de cinco anos, os recursos serão destinados a fundações ligadas a empresas e bancos, que vão coordenar a "capacitação" de gestores públicos quanto à implementação dos novos currículos – os itinerários formativos – que estão em fase de discussão e integram o "novo" Ensino Médio.
Baixada por meio de medida provisória aprovada pelo Congresso em fevereiro do ano passado, sem debate prévio com estudantes, pais, educadores, gestores e trabalhadores – o que é considerado inédito no país em termos de mudanças em legislações educacionais –, a reforma do Ensino Médio enfrentou resistência da comunidade estudantil, docentes, trabalhadores e movimentos em todo o país.
O empréstimo anunciado com eufemismo, no entanto, não vai financiar melhorias urgentes ao ensino médio, como a construção de novas escolas para abrigar o ensino de tempo integral, melhorar a infraestrutura das já existentes nem melhorar a política salarial do magistério. Para especialistas ouvidos pela reportagem, os US$ 250 milhões, que serão pagos pelo contribuinte, vão beneficiar somente empresários e banqueiros que ganham espaço no controle da educação pública por meio do negócio lucrativo que é a privatização do ensino.
Ou seja, sem controle da sociedade e alicerçado por regulamentações apoiadas por um Conselho Nacional de Educação (CNE) cada vez mais dominado por empresários, o setor privado passa a usar recursos públicos para prestar serviços, da maneira que bem entender, na gestão de escolas e redes, na discussão e implementação de currículos e na produção e venda de materiais pedagógicos. Além de lucrar com o setor, vão decidir os caminhos para formar a mão de obra conforme o interesse de suas empresas, e não da sociedade brasileira.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, destaca que o empréstimo não vai resolver problemas urgentes na educação, como o déficit de escolas de Ensino Médio. Do conjunto dos municípios brasileiros, 52% deles têm apenas um estabelecimento.
"Com o atual modelo de política para a escola em tempo integral, que têm empresas por trás, 'apadrinhando', não se constroem novos prédios. Em vez disso, são fechados turnos parciais naquelas que passarão a ter jornada integral. Com isso, a maioria dos mais de 6,5 milhões que estão matriculados deverá ser expulsa, ter de procurar escola fora, em outro município, até porque vai depender também do currículo pedagógico que vai ser adotado. E como as escolas têm problemas de infraestrutura, na maioria deverão ser colocados apenas os de Matemática e Português, conforme projeto analisado pelo Conselho Nacional de Educação", disse o dirigente, lembrando que as outras disciplinas deverão ser aglutinadas em projetos pedagógicos.
E outro agravante – uma aberração, segundo o dirigente – é que a proposta do governo Temer para o Ensino Médio prevê que o estudante complemente esses estudos, em proporção de 40% do currículo, no modelo a distância.
Não é por acaso, conforme Araújo, que o Google está de olho no setor educacional brasileiro. "O conselheiro do CNE Antônio Carbonari Netto, fundador da rede Anhanguera, que é dono de uma universidade na Flórida, Estados Unidos, vive dizendo em entrevistas que a profissão de professor vai acabar, do que se deduz que muito dinheiro será canalizado para o ensino a distância. Já há acordos da Fundação Lemann, do presidente da Ambev, homem mais rico do Brasil, com o Google", observou o presidente da CNTE.
"Se aprovada essa base curricular, eles podem ter aulas armazenadas em nuvens, que serão ministradas por monitores, o que está relacionado ao item da reforma do Ensino Médio que prevê a contratação de profissional de notório saber – e não professor. Preocupa também o fato de que, se isso decolar no Ensino Médio, pode ser estendido para o Ensino Fundamental", disse Araújo.
Outro aspecto destacado é o favorecimento às editoras de livros didáticos, hoje controladas pelo capital estrangeiro, por esse novo Ensino Médio que será implementado com o empréstimo. As mudanças preveem alteração anual dos livros.
Efeito negativo
O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, entende que também está por trás do empréstimo do MEC o objetivo de movimentar recursos para as redes estaduais de governos aliados de Michel Temer, em período eleitoral, para facilitar processos privatistas.
"Qualquer educador sério sabe que essa reforma do Ensino Médio, bem como as demais ações de Temer na educação, como a Base Nacional Comum Curricular, servem apenas para criar novas linhas de negócio para a privatização da educação. Em termos de qualidade o efeito não será nulo, será negativo."
Ressaltando que educação não é mercadoria, e sim um direito, Daniel afirma que a garantia do direito à educação depende do trabalho pedagógico, que por sua vez exige vínculo entre professor e aluno ou educador e educando, como diria o patrono da educação nacional, Paulo Freire. "Relações mercantilizadas não permitem essa relação, ainda mais se for considerado o fato de que não cabe no custo da matrícula pública, considerando o montante dele hoje, a extração de lucro. Desse modo, a privatização da educação pública é um processo antipedagógico."
As recomendações do Banco Mundial para a educação geralmente estão desvinculadas de uma concepção pedagógica, do respeito ao Direito à Educação, alerta Daniel Cara. "Tanto isso é verdade que qualquer país sério tem uma rede pública de ensino forte e universal. E o Brasil ao invés de seguir o caminho certo, vai na contramão!"