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Manolo: dirigente superlativo em todas as artes

Linha fina
A história do bancário do safra é emblemática dos trabalhadores que dedicaram boa parte de suas vidas e carreiras profissionais à luta pelos direitos da cidadania, igualdade e inclusão social
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São Paulo - Filho de espanhóis que migraram para o Brasil, duas irmãs, o caçula de mãe católica praticante era ateu convicto, mas fez questão de batizar os filhos na igreja. A descrição define a personalidade de Manoel Castaño Blanco, diretor do Sindicato nos idos de 1990 e início deste século. Dirigente de personalidade forte, dedicado, Manolo empregava seu tempo a pensar e repensar meios geniais, quase nunca ortodoxos, de fazer a ação sindical virar notícia e se tornar efetiva. Técnico em eletrônica, tinha conhecimento e capacidade de pós-graduado em física, química, matemática, além de mestre em besteirol científico. Ninguém o vencia em conhecimentos “professorais” e, quando acuado, não usava qualquer pedagogia dos oprimidos. Em boa parte, vencia as polêmicas por desistência do contendor.

> Página com os perfis dos 90 anos

Foi o primeiro colocado em concurso de poesia em espanhol do Colégio Miguel de Cervantes (y Saavedra, acrescentaria ele). Tocava violão, escrevia, compunha, versava ritmos. Foi pioneiro em rádio pirata. Tinha um exagerado gosto pelo brega, pelo cafona, forrozeiro pé de valsa. Adorava o formato do Silvio Santos e suas pegadinhas (foto ao lado).

Assistia pregações de pastores evangélicos, Pânico, CQC, só para aprender novas técnicas de comunicação popular que agitavam as páginas da Folha Bancária em seus tempos de secretário de Imprensa e Comunicação do Sindicato.

Criava tipos com enorme facilidade. Novelista – em meio às mobilizações dos anos 1990, resolveu fazer um curso de técnicas de redação para literatura. Piadista fraco, curtia seus próprios trocadilhos e sabia rir de si para gozação silenciosa dos amigos. Seu primeiro sonho de consumo foi um apê da CDHU. Com 18 anos conseguiu um bom emprego no Banco Safra e logo ingressou no Sindicato, num momento de enorme turbulência interna, em 1988.

Manolito transitou os anos noventa, de grandes ataques dos governos tucanos aos direitos dos trabalhadores, com criatividade e inovação. Escreveu inúmeras peças de teatro de rua para o Sindicato, recrutava a trupe dentre os próprios sindicalistas e tiravam dez em praça pública, para desespero de banqueiros e políticos como Maluf e FHC. Protestos memoráveis e fundamentais para as ações sindicais no períododo neoliberalismo.

Motociclista, mecânico, consertava tudo. Lixeiro, recolhia na rua tudo o que pudesse ser aproveitado. Um dia apareceu com um cofre, noutro com um baleiro. Teve uma coleção de carros Gurgel. Mesmo adulto, curtia o escotismo – costume passado aos filhos – de onde aprendeu muitas técnicas, que fizeram seus amigos fundadores do PT darem-lhe o apelido de “magaiver” pelas invencionices e improvisos.

Agitador cultural perfeito. Organizou o último show de Raul Seixas na Quadra do Sindicato, montou concursos de poesias e contos, festivais de bandas, palpitou na formatação do Café dos Bancários, arrumava nomes perfeitos para tudo, sempre com alta dose de significado e semiótica (como ele mesmo dizia, “seja lá o que isso significa”). Pôs uma guitarra nas mãos do Lula, única foto que ostentava no quadro de avisos da sua sala.

Sua capacidade para criar e mobilizar serviu como uma luva às secretarias Cultural e de Comunicação do Sindicato. Foi responsável pelo lançamento de inúmeros jornais que fizeram história, como o Raios, Safrado, Ginko, sempre fazendo trocadilhos com as campanhas publicitárias dos bancos. Foram mais de vinte greves, cada uma com um nome de batismo: kinder ovo, indomada etc. Na campanha por mais segurança nos bancos, criou o mote que em outdoors pela cidade apelava: Sr. assaltante, já que os banqueiros não seimportam com a vida de bancários e clientes, poupe minha vida. Desapegado, não tinha nenhum gosto em vestir-se bem, mas veio dele a proposta de exigir traje “esporte fino” em um baile de aniversário do Sindicato. Soube a hora de sair do Safra e do Sindicato, tornou-se assessor político, assistente na Bangraf, ajudou a reorganizar a Bancoop e apesar de turrão – para justificar o apelido de “espanhol” – sabia administrar conflitos.

Mudou-se para Santos, optou por mais qualidade de vida e convivência com a família – a mulher Deborah, advogada do movimento sindical, e os filhos Beatriz e Diogo (foto ao lado).

Em agosto de 2012, a poucos meses de completar 50 anos de idade, como estrela cadente cruzou o céu para sempre. A homenagem a Manolo é um tributo aos dirigentes sindicais e trabalhadores que fazem da vida essa incrível história dedicada às infindáveis lutas pelos direitos da cidadania.

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