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Para CNV, caso Riocentro foi “ação” do Estado

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Coordenador da Comissão Nacional da Verdade afirma que dados mostram a existência de uma estratégia política para inibir o processo de redemocratização do país
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Rio de Janeiro – A Comissão Nacional da Verdade apresentou na terça-feira 29 o relatório preliminar sobre o caso do Riocentro, em que um militar morreu na explosão de bomba dentro de carro no estacionamento do complexo de eventos, que sediava show que reuniu mais de 20 mil jovens em 30 de abril de 1981. Para o coordenador da CNV, Pedro Dallari, as conclusões deixam claro que autoridades militares recorreram a atentados como política de Estado.

"Os documentos demonstram que esse atentado [do Riocentro] não foi obra de lunáticos nem de agentes que agiram por conta própria. Foi uma ação articulada do Estado brasileiro", disse Dallari. "A mesma estrutura que nos anos 70 usou como política de Estado a tortura e o extermínio de pessoas, nos anos 80, patrocinou atentados à bomba. Foram pelo menos 40 nesse período. Número que mostra que havia estratégia política, com uso desses atentados para inibir processo de abertura política que começava a ocorrer no Brasil", disse.

Em um período de 16 meses, entre 1980 e 1981, bombas explodiram em veículos de imprensa, livrarias, bancas de jornal, prédios públicos, escritórios de advogados que defendiam opositores do regime e até em comícios políticos. O próprio show, que se repetiu em 1981 no Riocentro, já tinha sido alvo em 1980, quando um artefato foi detonado em uma loja que vendia ingressos.

No atentado do Riocentro, uma bomba explodiu prematuramente entre 21h15 e 21h20 no interior de um veículo, matando o sargento Guilherme Pereira Rosário e ferindo gravemente   o capitão Wilson Luiz Machado. O artefato seria instalado no pavilhão de eventos, onde ocorria o show com vários nomes da Música Popular Brasileira, organizado pelo Centro Brasileiro Democrático, entidade cultural ligada ao Partido Comunista Brasileiro e presidido pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Outra bomba explodiu na subestação elétrica do complexo, e mais duas bombas, que não foram confirmadas, foram citadas por testemunhas.

Os dois militares eram lotados no Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 1º Exército e foram tratados como vítimas no primeiro Inquérito Policial Militar (IPM), aberto em 1981. Esse inquérito, como consta no relatório, foi acompanhado pelo Serviço Nacional de Inteligência. O primeiro encarregado pelo processo, coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, ao tomar providências para apurar o caso, sofreu pressões e foi substituído após 15 dias de investigação pelo coronel Job Lorena de Sant'Anna. Em novo inquérito, aberto em 1999, Prado Ribeiro afirmou que foi pressionado a conduzir "direitinho" o IPM, inclusive com tentativas de influenciar sua linha de raciocínio.

As tentativas de inverter os fatos foram contadas também pelo ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM) Júlio de Sá Bierrenbach, hoje com 94 anos. Quando o caso chegou ao STM, o almirante Bierrenbach se opôs ao arquivamento, pediu vista do processo e foi criticado publicamente pelos representantes do Exército que compunham o colegiado. "Eles escolheram a dedo em qual auditoria deveria cair, e não apuraram", disse em um depoimento gravado em vídeo pela CNV. O magistrado disse que  "o inquérito foi uma vergonha". "O capitão [Machado] não foi ouvido nem como testemunha e acabou promovido e mandado para o Colégio Militar de Brasília. Com o ferimento que ele tinha, não seria promovido a major da ativa de jeito nenhum".

A comissão convocou o coronel reformado Wilson Luiz Machado, mas, ao chegar a sua casa, a Polícia Federal constatou que ele havia viajado. O general reformado Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações, também foi convocado a depor, mas alegou motivos médicos para não ir. Os dois estão entre os seis denunciados pelo Ministério Público Federal. A punição ainda é discutida porque o caso ocorreu depois do período incluído na Lei da Anistia, que vai até 1979, e, como crime contra os direitos humanos.


Agência Brasil – 2/5/2014

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