São Paulo – O fortalecimento e ampliação da agroecologia como única alternativa para a produção de alimentos saudáveis – sem o uso de sementes transgênicas e de agrotóxicos – para toda a população brasileira está ganhando mais espaço na agenda do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Reunidos em São Paulo, lideranças e militantes do movimento debateram o tema com representantes de comunidades tradicionais de todo o país, como indígenas e quilombolas, e de entidades de agroecologia, saúde pública e defesa do consumidor. Essas atividades são paralelas à feira que oferece grãos, frutas, verduras, legumes, doces, geleias, queijos, sementes e plantas produzidos em assentamentos de várias regiões do país. O evento foi realizado de quinta 4 a domingo 7.
"Pressionados por multinacionais e pelo capital, estamos contaminando todo o planeta. Produzir carros e extrair petróleo se tornou mais importante do que preservá-lo. A terra é o alicerce da vida, e a comida seu fruto. Por isso não pode ser propriedade particular, para obtenção de mais lucro por companhias que produzem transgênicos e mais venenos, ou por aqueles que estão de olho em tudo que está debaixo dela. Mas para o usufruto e libertação da humanidade", disse o ex-presidente e agora senador uruguaio Pepe Mujica a um grupo de jornalistas, na manhã de domingo 7.
Mujica foi o último a discursar na conferência Alimentação Saudável: um Direito de Todos e Todas. Ele voltou a reforçar a importância da cultura da terra, camponesa, e das coisas simples, como o hábito de cozinhar. "Não se trata de nostalgia, mas o costume faz parte da cultura da terra, da comida. A civilização baseada na ganância produz um consumidor que trabalha permanentemente, sem ter tempo para os afetos e para o amor", disse, numa "reverência à terra própria de um agricultor", conforme destacaria mais tarde o coordenador geral do MST, João Pedro Stédile.
Resumindo a mensagem da conferência, Stédile destacou que o agronegócio destroi a figura do agricultor, que sabe cultivar a terra. "A função da terra e nossa sonhada reforma agrária é a produção de alimentos saudáveis para todos – e sem veneno –, respeitando a terra", disse. "O alimento da diversidade, que não pode ser mercadoria, mas um direito. Espero que os governos aprendam essa lição."
Insegurança alimentar - A conferência contou ainda com a participação do ex-ministro da Saúde no governo Dilma Rousseff, Alexandre Padilha, e da apresentadora Bela Gil, que enfatizaram a insegurança alimentar no país sobretudo para as populações mais pobres, com o uso de sementes transgênicas e agrotóxicos, e a produção de alimentos ultra-processados, à base de substâncias químicas, que em vez de alimentar, adoecem as pessoas, causando obesidade e uma infinidade de outras doenças.
"A boca é a porta da nossa alma. Não basta matar a fome. Temos de alimentar a alma e não a indústria de alimentos e de venenos", disse Padilha, lembrando frase do escritor uruguaio Eduardo Galeano, morto em 2015. Ele destacou ainda que, na perspectiva de que "a gente quer comida, diversão e arte", comida é o alimento de qualidade, nutritivo, de base variada, sem venenos e aditivos, produzido pela agricultura familiar. E não alimentos industrializados, com aditivos químicos para "enganar o cérebro com falsa saciedade", produzidos com a partir de uma única base, como o milho ou a soja, geralmente transgênica e carregada de agrotóxicos.
Apoiadora da reforma agrária e da agroecologia, a apresentadora Bela Gil contestou o discurso da indústria de que somente com o uso de transgênicos e agrotóxicos é possível produzir em larga escala para alimentar a população mundial. Para ela, a fome no mundo é causada por problemas na distribuição dos alimentos, e não na produção.
"A população precisa entender a importância da reforma agrária como lógica que permite outro modelo mais saudável de produção, sem venenos que matam os ecossistemas e adoecem a gente". Bela convidou a plateia a assinar a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos e defendeu o engajamento social para driblar o oligopólio de empresas fabricantes de sementes transgênicas e de agrotóxicos, em apoio a políticas que fortaleçam a agroecologia e para taxar os venenos, que hoje são isentos de impostos.
Participaram ainda a atriz Letícia Sabatela, que mesmo sem se aprofundar defendeu a soberania alimentar. O economista Paul Singer e o ator Sergio Mamberti compuseram a mesa, mas não se pronunciaram.
Pacote do veneno - À tarde, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida fez o lançamento oficial da plataforma #ChegaDeAgrotóxicos, já lançada virtualmente em 16 de março. O objetivo, com a ferramenta, é envolver a população em pressões pela aprovação do Projeto de Lei 6670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA). E também barrar o avanço do Pacote do Veneno, composto por projetos que revogam atual legislação do setor.
Ao mesmo tempo em que acelera a tramitação de projetos de leis desfavoráveis (Pacote do Veneno), o Congresso atrasa a tramitação daqueles de interesse da sociedade, como o da PNaRA. Segundo o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), até agora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não instalou comissão especial para analisar o PL.
"É fundamental uma campanha para pressionar os partidos a indicar os nomes", disse Tatto. Conforme explicou, mesmo assim o PL vem sendo discutido. E já há audiências públicas para discutir o tema sendo agendadas. Em 8 de junho, será debatida na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, interior paulista.
Na mesa que reuniu representantes do MST, Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Greenpeace e Central Única dos Trabalhadores (CUT), o destaque foi dona Alda Silva, 70 anos, liderança kaiowá moradora de Dourados, no Mato Grosso.
Em sua fala traduzida pela sobrinha Flávia, dona Alda contou os dramas de quem vê o aumento do adoecimento e morte de crianças em sua aldeia devido aos agrotóxicos, muito usados na região, e os percalços em busca de ajuda e justiça.
"A luta não é fácil. Já morreu muita criança. Não é fácil ficar vendo tanta criança morrendo por causa de venenos. A gente conta para as autoridades o que se passa na nossa aldeia, mas ninguém se preocupa. É um genocídio. Quando você é um índio, ninguém quer saber. É uma dor que a gente está sentindo. Adotei uma criança, que morreu depois de beber água envenenada. Contei no Ministério Público. Temos que lutar, acabar com esse agrotóxico."