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Chapéu
Inovadora

Na contramão mundial, Senado aprova lei para imigrantes

Linha fina
"É um grande avanço diante da conjuntura mundial de xenofobia em relação aos imigrantes e refugiados", afirma coordenador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante
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Foto: Agência de Notícias do Acre

São Paulo – Está nas mãos de Michel Temer (PMDB), à espera da sanção presidencial, a nova lei para migrantes, aprovada no dia 18 pelo Senado. Resultado de mais de 30 anos de mobilização, a lei estabelece direitos e deveres do imigrante, bem como princípios e diretrizes de políticas públicas, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, de 1980, elaborado ainda durante a ditadura civil-militar.

“É um grande avanço”, afirma Paulo Illes, coordenador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (Cdhic) e ex-coordenador de políticas para migrantes do governo Fernando Haddad, na prefeitura de São Paulo. “O Estatuto do Estrangeiro não só criminaliza o imigrante, como veta o direito a ter emprego com visto temporário, a participar de sindicatos, associações, partidos políticos e até de participar de manifestações políticas. O Estatuto é um paradigma pautado na segurança nacional. Essa nova lei é um grande avanço, principalmente considerando a conjuntura mundial em que há um aumento do conservadorismo e da xenofobia em relação aos imigrantes e refugiados.”

Paulo Illes lembra que a nova lei foi sendo construída nos últimos anos. Em 2005, por exemplo, o governo federal apresentou uma proposta que foi rejeitada. Na sequência, o Ministério da Justiça formou uma comissão de especialistas que redigiu um texto “muito avançado”, propondo uma lei que criaria a política nacional de imigração, mas não houve consenso no governo. “O que acabou vingando foi esse projeto do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP)”, explica o coordenador do Cdhic, lembrando que ainda na gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, o governo apoiou o projeto do senador.

“Esse texto pega muito do que foi a proposta da comissão de especialistas do Ministério da Justiça. Abandona a visão de que o imigrante é uma ameaça à segurança nacional e aborda a questão do ponto de vista dos direitos humanos”, explica Paulo Illes.

Entre as alterações estabelecidas na nova lei, Illes destaca o estabelecimento de direitos e deveres do imigrante, a abertura para o diálogo social, a igualdade de oportunidade entre brasileiros e imigrantes e a institucionalização do visto humanitário, que deixa de ser provisório e aplicado apenas a haitianos e vítimas da guerra na Síria, e passa a ser concedido a qualquer imigrante em situação de risco ou de vulnerabilidade, mesmo que não se encaixe nas características de refúgio.

O coordenador do Cdhic destaca ainda que a nova lei institucionaliza o repúdio à xenofobia, ao racismo e a qualquer forma de discriminação nas políticas migratórias. O fato do imigrante estar irregular no país também deixa de ser crime, sendo que a norma aborda ainda a “reunião familiar”, aceitando que o modelo de família não seja apenas pai e mãe, respeitando, assim, as diferentes culturas.

Carla Mustafa, diretora do Instituto de Reintegração do Refugiado no Brasil (Adus), também enfatiza como avanços o acesso igualitário a serviços públicos, como educação, trabalho, moradia e até mesmo seguridade social, além de uma acolhida mais humanitária, como a facilitação da regularização e a diminuição da burocracia na questão da documentação, incluindo as taxas exigidas.

Aspectos a considerar - Embora reconheça a que a nova Lei de Migração é um grande avanço, Paulo Illes pondera que o texto aprovado é “muito aberto” e precisará ser regulamentado em outro momento. “Como vai ser essa regulamentação? Vai ter espaço para a sociedade civil participar? Essa é uma questão que nos preocupa”, avalia.

Para ele, um dos aspectos que poderia ter melhorado é o fato de a Polícia Federal continuar sendo o órgão de recepção dos imigrantes. Na visão do coordenador do Cdhic, o melhor seria a criação de um órgão de autoridade migratória para que os imigrantes fossem atendidos por civis e não por policiais. “Igual a um cidadão brasileiro que não faz sua identidade na polícia. Isso pode intimidar o estrangeiro”, pondera. “Não há porque o imigrante ir à Polícia Federal, há outras formas da polícia fazer esse controle. Uma coisa é cuidar do aeroporto e da fronteira, outra é do imigrante que já está levando sua vida. É intimidativo.”

Paulo Illes ressalta ainda a necessidade futura de criação de uma política nacional de imigração, talvez vinculada à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, com a responsabilidade de elaborar as políticas de inclusão e inserção.

A conjuntura mundial - Pelo fato da imigração não ser um tema muito discutido no Brasil, o coordenador do Cdhic acredita que o projeto teve “a sorte” de ser aprovado mesmo em um Congresso Nacional caracterizado por um forte viés conservador.

Já Carla Mustafa, diretora da Adus, recorda que alguns críticos chegaram a argumentar que a mudança iria “afrouxar” o controle migratório e a vigilância nas fronteiras, uma hipótese que ela afirma não ser verdadeira. “Mesmo com essa acolhida mais humanitária, o controle migratório ainda passa pelo crivo da Polícia Federal”, afirma.

Carla enaltece o fato de a nova lei brasileira ser o oposto do posicionamento adotado atualmente por diversos países europeus e pelos Estados Unidos de Donald Trump. “Temos observado que em alguns países a decisão é de fechamento de fronteiras, um controle bem severo com relação à imigração, sobretudo influenciado por questões nacionalistas. São frequentes os casos de xenofobia, racismo e perseguição a determinados grupo étnicos e religiosos, e o Brasil vai na contramão, permitindo que esses imigrantes tenham uma vida digna e sejam pessoas que vêm acrescentar à sociedade e não mais sejam vistos como um inimigo”, reflete Carla.

Para ela, a presença do imigrante em território brasileiro traz benefícios culturais e econômicos e isso tem sido considerado um marco da nova imigração. “A nova lei é bem vanguardista e vai se adequar aos princípios constitucionais e tratados internacionais dos quais o país já é signatário. A lei dará o direito às pessoas circularem livremente no território nacional e terem respeitadas suas garantias individuais.”

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