“Vim pra ocupação porque o aluguel estava muito caro e minha renda diminuiu. Eu procurei me adaptar a um lugar compatível com a minha renda”, disse à Agência Brasil o vendedor Antonio Davi, de 76 anos, que morava no edifício Wilton Paes de Almeida, localizado no Largo do Paissandu e que desabou na madrugada do dia 1º de maio.
> MTST e movimentos: 'Enquanto morar for privilégio, ocupar é um direito'
> Sindicato recebe doações para desabrigados de prédio que desabou
> Dias 16 e 24 de maio: CineB exibe Era o Hotel Cambridge, documentário sobre questão da moradia
Ele perdeu parte da renda com a venda de purificadores de água e produtos de limpeza nos últimos anos, saiu de um apartamento alugado por R$ 600 na Vila Mariana, na zona sul da cidade, e passou a morar no prédio ocupado, onde pagava R$ 220, há um ano e três meses.
> Em anúncio, lançamento imobiliário já ‘eliminava’ prédio ocupado que desabou
“Foi difícil [a mudança para o prédio ocupado], a adaptação foi difícil, muito difícil, mas o ser humano se adapta”, disse.
A situação de Antonio é a mesma de, pelo menos, 360 mil famílias no município de São Paulo que não têm onde morar. O número corresponde ao déficit habitacional da cidade, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação. Até 2020, a prefeitura pretende entregar 25 mil unidades habitacionais. Levando em conta o orçamento de R$ 580 milhões anuais para construção de moradias, a estimativa, da própria prefeitura, é de que levará cerca de 120 anos para zerar o atual déficit.
Diante do cenário, muitos que não conseguem comprar a casa própria nem pagar um aluguel passaram a recorrer às ocupações de imóveis. A capital paulista registra 206 ocupações – de prédios e terrenos – que abrigam 46 mil famílias, segundo dados do Grupo de Mediação de Conflito da secretaria. Somente no centro da cidade, são 70 prédios ocupados com aproximadamente 4 mil famílias.
Após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, a prefeitura anunciou vistoria dos 70 prédios na região central, o que gerou preocupação de representantes dos movimentos sociais com possíveis ações de reintegração de posse dos imóveis.
No dia 2, o prefeito Bruno Covas disse que poderia acionar a Justiça caso seja confirmado, em futuras vistorias, que os prédios não estão em condições de uso. Além das ocupações, mais 830 mil domicílios estão em assentamentos precários e precisam de algum tipo de melhoria, conforme informações da prefeitura.
Covas disse que, neste ano, seis reuniões tinham sido realizadas entre a secretaria de Habitação e moradores do edifício que desabou, com a finalidade de negociar uma desocupação.
Ele admitiu que, na avaliação da prefeitura, o prédio não estava adequado e não tinha as “condições necessárias” para moradia. Segundo movimentos sociais, foi oferecido somente o recebimento do auxílio-aluguel pelo prazo de 12 meses – no valor de R$ 400 – e inserção dos moradores na fila de programas habitacionais.
Auxílio-aluguel não é suficiente
De acordo com o coordenador nacional do Movimento Nacional da População de Rua, Darcy Costa, o valor não é suficiente para uma família alugar um imóvel, o que leva a viverem na rua ou em ocupações. “A questão é que as pessoas não têm onde morar. Com esse valor, a pessoa não tem outro lugar para morar a não ser em uma ocupação”, disse.
“São situações que a própria prefeitura cria por falta da política pública, temos uma necessidade enorme em São Paulo, um déficit enorme, e nós temos também 290 mil imóveis vazios em São Paulo que poderiam ser utilizados para locação social”, acrescenta.
Já a prefeitura paulistana informou que não tem o levantamento de quantos imóveis estão vazios e que poderiam ser utilizados.
As investigações apontam que o incêndio que causou o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida foi causado por um curto-circuito em uma tomada de um cômodo no quinto andar. O espaço era ocupado por uma família de quatro pessoas. O pai e uma das crianças ficaram feridos com queimaduras graves.
Em relação à possibilidade de os moradores serem responsabilizados pelo ocorrido, Costa defende que não pode haver uma inversão de responsabilidade. “O estado tem que se colocar na posição dele e ver onde é que ele falhou, ver a situação de cada pessoa, a necessidade de cada um, as pessoas têm vários tipos de necessidades. [E não] culpar uma pessoa que não tem onde morar, que vive no subemprego, que tem que ir para uma ocupação para ter um endereço”.
Com o desabamento, várias famílias estão morando na rua, no Largo do Paissandu.
> Uma semana depois, famílias do prédio no Paissandu continuam ao relento
Alguns moradores foram levados para centros de acolhida do município, onde devem ficar temporariamente. Mas reclamam que os albergues não conseguem abrigar adequadamente.
“[Estar em] situação de albergue, é melhor estar na rua. Porque [no albergue] não tem acolhimento necessário, tem muito pouco espaço. O efeito [de uma solução como os abrigos] não é compatível com a família. Para uma pessoa só, até que sim, mas para uma família não”, disse Adilson da Silva, 48 anos, que morava com a mulher e o filho no prédio que desabou.
“Ninguém quer [moradia] de graça, a gente sabe que vai pagar uma prestação, a gente sabe que vai pagar água, a gente sabe que vai pagar luz, a gente sabe que vai pagar um condomínio. É isso que a gente quer”, acrescentou.