A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), principal e mais influente entidade representativa dos juízes do Trabalho, publicou nota em repúdio a declaração do presidente Jair Bolsonaro, que disse “não ter sido prejudicado em nada por ter trabalhado na infância” e que “trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade”.
“O presidente demonstra desconhecer por completo a realidade de mais de dois milhões de crianças e adolescentes massacrados pelo trabalho em condições superiores às suas forças físicas e mentais”, diz a nota da Anamatra.
A entidade aponta que o Brasil tem 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalhando, o que representa 6% da população (40,1 milhões) dessa faixa etária. Entre esses 2,4 milhões de crianças e adolescentes, 1,7 milhão exercem ainda afazeres domésticos em paralelo ao trabalho.
“Isso sem mencionar os traumas psicológicos advindos do amadurecimento precoce, do enfraquecimento dos laços familiares e do prejuízo ao desenvolvimento da escolaridade, e, consequentemente, das oportunidades”, enfatiza a nota.
Para a dirigente do Sindicato e vice-presidente de juventude Uni Américas, Lucimara Malaquias, ao tentar normalizar o trabalho infantil na sua declaração ainda ignora os milhões de jovens, em idade legal para trabalhar, que sofrem com o desemprego.
“A prioridade do governo deveria ser gerar emprego para 13 milhões de desempregados no país, oportunidades de estudo e emprego decentes para milhões de jovens. Criança precisa de escola, lazer e segurança”, afirma Lucimara.
Confira abaixo a íntegra da nota publicada pela Anamatra:
Nota de repúdio
A ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, entidade representativa de cerca de 4 mil juízes do Trabalho em todo o Brasil, vem a público repudiar as declarações do Sr. Presidente da República, proferidas nesta quinta-feira, 04 de julho, em defesa do trabalho infantil.
Insiste o Presidente da República em condenar a infância e a adolescência brasileiras ao surrado argumento do “ou trabalha, ou vai roubar”. Demonstra, assim, desconhecer por completo a realidade de mais de dois milhões de crianças massacradas pelo trabalho em condições superiores às suas forças físicas e mentais, dos mais de duzentos óbitos e dos mais de 40 mil crianças e jovens que sofreram mutilações e deformações decorrentes de acidentes de trabalho entre 2007 e 2017. Isso sem mencionar os traumas psicológicos advindos do amadurecimento precoce, do enfraquecimento dos laços familiares e do prejuízo ao desenvolvimento da escolaridade, e, consequentemente, das oportunidades.
O que os cidadãos brasileiros aguardam é que o Governo Federal desenvolva políticas públicas de reinserção de 45 milhões de adultos desempregados e subutilizados ao mercado de trabalho. Políticas essas que façam convergir os compromissos do País às Convenções Internacionais 138 e 182 da OIT, das quais o Brasil é signatário, bem como ao caput e o § 3º do art. 227 da Constituição Federal, que atribuem ao Estado brasileiro, que chefia, o dever incontornável de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, e a oferecer proteção especial diante de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com especial proteção às garantias trabalhistas e previdenciárias.
Criança é para estudar e brincar.
Brasília, 5 de julho de 2019.
Noemia Garcia Porto
Presidente da Anamatra