
A grande greve dos bancários de 1985, a primeira greve nacional de uma categoria de trabalhadores após a ditadura, foi um sucesso. Há 40 anos, bancários de todo o Brasil paralisaram o sistema financeiro nacional por dois dias, em 11 e 12 de setembro daquele ano, e garantiram reajuste salarial de 90,78%. além da antecipação de 25% conquistada meses antes.
Entre as razões para o sucesso da greve, a criatividade do movimento soube trazer a opinião pública para o lado dos trabalhadores. E nisso o Sindicato foi peça central. Nasceu entre os bancários de São Paulo o mote que deixou a população atenta: “Se não sacou, é bom sacar: os bancários vão parar!”
A sociedade brasileira estava em efervescência. Eram os primeiros meses de governo civil pós-ditadura. Encerrando o processo de “distensão lenta, gradual e segura”, iniciado em 1975 durante o governo do general Ernesto Geisel, em 15 de janeiro de 1985 o Colégio Eleitoral – deputados e senadores – definia o emedebista Tancredo Neves como presidente da República. Candidato da Aliança Democrática, formada por PMDB (hoje MDB) e PFL (Partido da Frente Liberal, hoje União Brasil), Tancredo sequer chegou a tomar posse. Morreu em 21 de abril, e seu vice, o pefelista José Sarney, assumiu.

O país passara por uma grave decepção. A imensa campanha pelas Diretas Já tomara as ruas e os corações brasileiros, mas não conseguira seu intento: que o povo pudesse escolher o presidente da República por voto direto. Os bancários estiveram engajados nessa luta, e deram imenso apoio às mobilizações de massa realizadas entre o final de 1983 e todo o ano de 1984. Comitês pró-diretas foram instalados nos bancos e toda essa manifestação deixaria na categoria a certeza da importância dessa integração entre as lutas dos trabalhadores e da sociedade.

O baque foi grande. A chamada Nova República, instalada com Sarney, mostrava a que vinha: atender às alianças da elite econômica para a permanência no poder. Em 1985, o Brasil estava mergulhado numa forte recessão, com grande pressão inflacionária e perdas salariais. Falava-se em “pacto social” para recuperar as finanças combalidas do país pelos militares, mas para os trabalhadores recaia todo o ônus desse tal pacto.
Mesmo diante desse cenário, a democracia avançava. Um dos personagens cruciais desse avanço nascera em agosto de 1983: a Central Única dos Trabalhadores (CUT) teria papel preponderante na relação entre os movimentos sindical e social que fortalecia a luta dos trabalhadores em todo o Brasil

Estavam sendo escritos os capítulos do novo sindicalismo, iniciado no final da década anterior. E muito sindicatos que estiveram sob intervenção ou ocupados por “pelegos” durante o governo militar começavam a ser retomados pelos trabalhadores. Em São Paulo, em março de 1985, assumia a presidência eleita do Sindicato o banespiano Luiz Gushiken, peça chave na organização e realização da grande greve nacional dos bancários naquele ano.
“Os banqueiros vão jogar ainda mais pesado com a gente”, disse o líder bancário, na famosa assembleia da categoria que lotou a Praça da Sé com mais de 30 mil trabalhadores, na noite de 10 de setembro de 1985. “Por isso, é fundamental que vocês entendam uma coisa: não pode haver desânimo. A unidade do movimento é a nossa arma. Está claro, companheiros?”
A concordância veio em forma de fortes aplausos e na adesão ao movimento que mudaria os rumos da mobilização dos trabalhadores no Brasil. Gushiken sabia o que dizia. A unidade fora a grande arma da categoria forjada a partir da CUT na articulação dos sindicatos e da militância nacionalmente. Essa unidade em todo o país, somada à criatividade na comunicação dos sindicatos com a população, levou ao sucesso da greve que abrangeu mais de 500 mil bancários – mais da metade da categoria nacionalmente – e travou as 30 mil agências de bancos em todo o Brasil por dois dias.

Em entrevista ao Boletim Nacional do PT, de setembro/outubro de 1985, Gushiken fazia um balanço da greve, lembrando a paralisação de 1979, quando a categoria sofreu uma dura derrota. “ Em 79, cometeu-se um erro grave que foi a ausência de unidade dos bancários. A ponto de ocorrerem greves isoladas, ora em São Paulo, ora em Belo Horizonte. Não houve sintonia e o resultado foi a derrota.” O bancário Luiz Antônio Azevedo, o Luizinho do BB, que também estava entre os organizadores do levante, concorda.

“Em 1978, ainda na oposição do Sindicato, tentamos reproduzir a máxima dos metalúrgicos do ABC: braços cruzados, máquinas paradas. Não deu certo, pois os bancários, principalmente caixas e escriturários, ficavam expostos à pressão de chefias e clientes”, lembra o dirigente. “Em 1979 a categoria estava dividida e, frente à forte repressão policial, o movimento não teve êxito. Tiramos a lição de que numa próxima greve teria de haver unidade da categoria em todo o país.”
Passo a passo da grande greve
Para superar os reveses de 1979, o movimento sindical bancário decidiu investir na organização nacional. O jornal do Sindicato, a Folha Bancária, teve então papel estratégico. Com tiragem diária, o informativo era enviado país afora por meio da estrutura do representante dos funcionários no Conselho de Administração do Banespa (Corep), Augusto Campos, que presidiu o Sindicato em 1979. “Bancários de outros estados ficavam sabendo o que fazíamos aqui e cobravam o mesmo empenho onde estavam. Tudo estava caminhando bem até julho de 1983”, lembra Luizinho.
Naquele ano, em represália à greve geral de 21 de julho e aos preparativos para a fundação da CUT, o regime militar caçou a diretoria e interveio no Sindicato dos Bancários de São Paulo – por 20 meses –, além dos Metalúrgicos do ABC, Metroviários de São Paulo e do Petroleiros de Campinas e da Bahia.
O fim da intervenção coincidiria com uma greve de 24 horas no BB, em 7 de dezembro de 1984. Nesse contexto foi eleito Luiz Gushiken que dá início a todo o trabalho pela greve nacional.

“Para nós, bancários de São Paulo, era difícil uma greve que não fosse nacional. Então houve trabalho de convencimento não só da categoria, mas principalmente dos dirigentes sindicais”, destacou Gushiken, em depoimento no documentário A Grande Virada.
Em maio de 1985, após forte mobilização da categoria, os bancos apresentaram proposta de 25% de antecipação, um reajuste parcial para os salários dos bancários a partir de julho, que poderia ser descontado no momento do acordo na data-base. Diante da inflação galopante, os trabalhadores buscavam esse reajuste trimestral para repor perdas salariais da ordem de 10% ao mês. A experiência acumulada nessa mobilização plantou a semente que organizou a campanha salarial de 1985 e levou à grande greve nacional.

As principais reivindicações foram debatidas em encontros interestaduais e votadas em Encontro Nacional realizado em junho, no Rio de Janeiro, com a participação de mais de 1.600 trabalhadores de 16 estados. Dentre elas, a incorporação daquela antecipação de 25%, reajuste trimestral, piso salarial mais alto e único, gratificação semestral, comissão sindical de banco, estabilidade no emprego. Entre as resoluções, segundo Luizinho, a deliberação da greve nacional para 11 de setembro. Lá também foi criado o Departamento Nacional dos Bancários da CUT (DNB/CUT), embrião da Contraf-CUT.

A partir daí os bancários se dedicaram a ganhar a opinião pública para seu movimento, com sucesso. Nos meses que antecederam a paralisação nacional foram realizados atos e shows com milhares de trabalhadores.
“Martelávamos o tempo todo: se não sacou, é bom sacar, os bancários vão parar. Conforme o dia 11 de setembro se aproximava, pessoas iam aos caixas pegar dinheiro. Isso ganhou a população, que podia se precaver. A categoria era preparada pela Folha Bancária, que estampava na capa um rastilho de pólvora com uma bomba no final com a data do dia 11. Tudo isso pressionava os banqueiros”, recorda Luiz Azevedo.
Em diálogo com clientes, os bancários tratavam da grave situação salarial que enfrentavam. Também por meio de inserções na mídia comercial, retratavam o banqueiro como “inimigo público número um”, que pagava mal e mantinha os cidadãos em filas, negava empréstimos enquanto especulava com o dinheiro do povo. Nesse quesito pouca coisa mudou.


O apoio popular à mobilização dos bancários fez com que a campanha ganhasse corpo nacionalmente, mesmo onde havia sindicatos que não estavam dispostos à luta. A pauta de reinvindicações gerais foi entregue também às autoridades de poder federal, estaduais e municipais. Os encontros nacionais e o calendário de mobilização reforçavam a unidade e deixavam claro: só haveria greve no caso de os bancos se recusarem a negociar.
Após quatro rodadas entre sindicatos e bancos, sem proposta dos patrões, a categoria realizou dia nacional de luta em 28 de agosto, data comemorativa dos bancários que tomaram as ruas em todo o país. Em São Paulo, a famosa passeata dos 30 mil tomou as ruas do centro velho da capital. “No Rio foram 7 mil bancários. Enfim, em todas as capitais e cidades do interior houve movimentos simultâneos. Tal fato dava uma enorme confiança ao conjunto da categoria”, disse Gushiken. Em novo Encontro Nacional, dessa vez realizado em Campinas, no dia 31 de agosto, cerca de 10 mil bancários de todo o Brasil votaram pela greve a partir de 11 de setembro.
“Colocamos mais de 130 mil cartazes em São Paulo. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, em horário nobre, foi divulgado, durante três dias, um chamamento à greve dos bancários”, lembrava o líder bancário paulista. “O sucesso da nossa greve se deveu ao atendimento de quatro condições: mobilização, organização, unidade nacional e quebra de isolamento.”
No dia 10, os banqueiros recusaram proposta de conciliação apresentada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e assembleias país afora decidiram dar início à greve por tempo indeterminado. A primeira paralisação nacional da categoria em mais de 20 anos.
Lutas e conquistas
O fato é que explodiu. E foi um sucesso. A orientação do Comando Nacional de Greve era de que os bancários não ficassem em casa, mas fossem para as ruas ajudar a fechar as câmaras de compensação, os CPDs, agências, matrizes. O chamado “centro bancário” amanheceu diferente: faixas nas portas dos bancos, dirigentes falando em megafones. O mesmo se repetia pelo país. A greve ganhou forte simpatia popular e o apoio de outras categorias de trabalhadores e do movimento estudantil que se deslocavam para os locais onde poderiam auxiliar o movimento grevista. O sistema financeiro do país foi paralisado.



“Os bancários ficavam na frente da agência onde trabalhavam. Aí vinha um carro com alguém do Sindicato que perguntava: quem quer ajudar a parar outros lugares? Não dava dois minutos e lotava de bancários. Foi como uma bola de neve. Acho que todo mundo estava esperando aquele dia”, lembrou, em reportagem da Folha Bancária, o ex-assessor do Sindicato Nelson Silva. “As pessoas pintavam cartazes ‘estamos em greve’ e pregavam com ‘durex’ nas portas. A todo instante chegava notícia de que a greve só crescia.”
Diante do impasse causado pelos bancos, foi instaurado dissídio pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Na noite do dia 12, assembleia em São Paulo aprova a proposta de reajuste de 90,78% feita pelo TRT, sem desconto da antecipação de 25%, e encerra a greve. Banespa e Caixa Estadual também assinam acordo nesses termos. No dia 13, a paralisação é encerrada na maioria das capitais. A greve é mantida no BB, pois a decisão do TRT não valia para bancos federais. A Contec, então, fecha acordo rebaixado de 89,55% para o Banco do Brasil.

Apesar de a proposta que encerrou a greve não representar a totalidade do que era reivindicado pelos bancários, a categoria saiu do movimento com a certeza da vitória conquistada na luta, na mobilização e na unidade entre os trabalhadores de todo o Brasil. Os bancários assumiam o posto, jamais deixado, dentre os principais do movimento sindical brasileiro. Muito se aprendeu com a luta de 1985, empreendida por milhares de bancários de todo o Brasil. De lá para cá, a categoria acumula conquistas que perduram até os dias de hoje, como o auxílio-creche/babá (1986), o vale-refeição (1990), a Convenção Coletiva de Trabalho nacional (1992), o vale-alimentação (1994), a PLR (1995), a PLR adicional (2006), a licença-maternidade de 180 dias (2009), o aumento real para os salários por muitos anos consecutivos, entre muitas outras.
Além disso, incentivados pela vitória, em 30 de outubro de 1985 os empregados da Caixa fazem uma greve de 24 horas e ingressam oficialmente na categoria bancária, com direito de sindicalização e jornada de seis horas.
Grandes dirigentes sindicais foram forjados naqueles dias. A força da representatividade dos bancários resultou na eleição de Luiz Gushiken como deputado para a Assembleia Nacional Constituinte, em 1986. E a unidade nacional da categoria bancária, fortalecida em 1985, segue firme rumo à criação do ramo financeiro.
“Ao terminar a greve, com sucesso total, gestou-se no povo brasileiro a ideia de conquista de espaços democráticos que só a classe trabalhadora é capaz de alcançar”, ensinou o mestre Gushi.

