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Mãe de rapaz morto pela PM paulista será indenizada

Linha fina
Justiça condenou estado a pagar R$ 50 mil; na sentença, juíza diz que houve violência exacerbada por parte dos policiais
Imagem Destaque
São Paulo – “Esse dinheiro para mim não importa, o que eu queria era meu filho aqui comigo", disse Vera Hilda dos Reis Santos sobre a sentença que condenou o estado de São Paulo a indenizá-la em R$ 50 mil pelo assassinato do filho, cometido por policiais militares, em 14 de outubro de 2009.

Ricardo dos Reis Santos, de 25 anos, foi atingido por 15 disparos de arma de fogo dos policiais. “Não se mata uma pessoa com 15 tiros, isso é inadmissível. A quantidade de tiros que eles deram no meu filho era para matar um exército, não uma pessoa só”, disse Vera, em entrevista à Agência Brasil.

Na sentença, a juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública, Lais Helena Bresser Lang, afirmou que houve violência exacerbada por parte dos policiais, o que impossibilitou qualquer defesa da vítima. “Ressalto que apesar de haver decisão transitada em julgado reconhecendo legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal, os documentos apresentados comprovam que houve um excesso de tiros”.

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Além disso, a sentença reconheceu o sofrimento que a morte violenta causou à mãe da vítima, que apresentou ainda quadro depressivo. “Não resta dúvida de que a autora sofreu e sofre dor, angústia, com sentimentos que alteraram seu bem-estar psicofísico, principalmente quando a perda do filho é de forma abrupta e violenta como ocorreu no caso”, acrescentou a juíza.

De acordo com o boletim de ocorrência, os PMs foram acionados para atender a uma ocorrência de roubo envolvendo Ricardo. A vítima, segundo a versão registrada, teria atirado contra os policiais e acabou atingido. No entanto, a Defensoria Pública, que acompanha o caso, afirmou que não foi encontrado vestígio de pólvora nas mãos de Ricardo e que nenhum policial ficou ferido na ação.

Além disso, os disparos tiveram características duvidosas. “O que eu posso dizer é que 15 tiros – a maioria em região vital e vários de cima para baixo – não são propriamente de uma conduta de preservação de vida, que é a função da Polícia Militar”, disse a defensora Daniela Skomov Albuquerque.

Na decisão da juíza, ela coloca também que “não há, nos autos, prova de que o Sr. Ricardo tenha efetivamente efetuado disparos contra os agentes públicos, ao contrário, há fortes indícios de que não teria efetuado disparo nenhum”, já que não foi encontrado resíduo de pólvora.

De acordo com a Procuradoria Geral, “o Estado interpôs recurso contra a sentença e espera a apreciação do mesmo por parte do magistrado”.

Reparação – “Essa sentença é uma resposta mínima do Estado para essas vítimas e também [serve] como repúdio do sistema de Justiça a esse tipo de fato que é tão comum”, afirmou a defensora. A sentença traz à tona a existência de casos como o de Ricardo, que são frequentes.

Daniela lembra do caso do rapaz, rendido por policiais militares, que foi jogado de cima de um telhado e morto em seguida por disparos de arma de fogo dos PMs, em 7 de setembro deste ano, no bairro do Butantã, na capital paulista. Após ser registrado como confronto, um vídeo mostrando que ele já estava rendido e não oferecia resistência foi divulgado na imprensa.

“O fato de o roteiro ser repetido mostra que tem algo estranho por trás disso como, por exemplo, revelaram aquelas imagens do telhado, daquele flagrante que era um auto de resistência, mas [na verdade] não era. Tem uma realidade que esses autos de resistência encobrem, que é uma realidade seríssima de extermínio”, disse a defensora.

Outra questão importante, segundo Daniela, é questionar a legalidade desses casos. “A terceira coisa de importante é dar o mínimo de suporte para as vítimas, porque, além de perderem seus entes queridos, elas ainda são criminalizadas”, disse. A defensora explicou que os parentes sofrem com a falta de resposta e com o descaso demonstrado.

A sentença da juíza acrescentou que “se o agente público, no exercício de suas funções, pratica dano a terceiro não provocador do evento, há de ser o Estado responsabilizado pelos prejuízos causados”.

"Eu não vivo mais” – Ricardo morreu numa quarta-feira e sua mãe, Vera, conta que passou três dias até conseguir enterrar o filho. Ela diz ainda que, depois do episódio, sua rotina mudou e que só vai da casa para o trabalho e do trabalho para casa, onde se sente melhor perto das fotos do filho. "É como se eu tivesse perto dele", diz.

“Eu tinha esperança que meu filho fosse cuidar de mim na minha velhice, que ele fosse me enterrar e não eu enterrar ele”, lamentou.

Procurada pela Agência Brasil, a Polícia Militar não comentou a sentença.


Agência Brasil – 29/9/2015
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