
O cientista social e professor Thiago Torres, conhecido nas redes sociais como Chavoso da USP, escancarou a perseguição à cultura negra e periférica durante depoimento na CPI dos Pancadões, instalada pela Câmara Municipal de São Paulo.
A CPI dos Pancadões, pela qual Chavoso da USP foi convocado, foi instalada em maio com a justificativa de se investigar falhas da prefeitura na fiscalização de bailes clandestinos, perturbação do sossego e alegadas possíveis ligações com o crime organizado.
Durante seu depoimento, Chavoso da USP comparou a diferença de tratamento entre festas em regiões centrais da capital paulista e na periferia, demonstrando que a perseguição aos bailes funks não tem como alvo a perturbação do sossego ou o consumo e tráfico de drogas, mas sim a cultura negra e periférica.
“Uma vez eu fui a um rolê em Pinheiros, na rua conhecida como Meretriz Uma rua cheia de bares, adegas, que toca funk, música alta a noite inteira. Rolê de playboy, onde só tem gente rica, classe média alta. O mesmo funk, se estiver tocando nessa Rua Meretriz, no Alto de Pinheiros, ou em qualquer outra rua, Vila Madalena, onde tem residências, onde tem pessoas usando e vendendo entorpecentes, não acontece nada. Não vai ter CPI. Não vai ter criminalização. Não vai ter ninguém preso. Agora, na periferia sim. As pessoas são presas, são mortas. As pessoas são convocadas para estar aqui", declarou o cientista social.
Em outro momento, ao ser questionado pelo presidente da CPI, vereador Rubinho Nunes (União Brasil) sobre a existência do crime organizado nas periferias, Chavoso da USP apontou que “existe crime em todos os lugares, inclusive dentro desta Casa”. A resposta do cientista social fez Rubinho Nunes se descontrolar e, aos gritos, ameaçar Chavoso da USP de prisão.

Em meio ao embate com Rubinho Nunes, Chavoso da USP apontou a contradição do vereador, que utilizou um funk na sua campanha eleitoral de 2020. “O senhor mesmo usou um funk como jingle para a sua eleição de 2020. O funk é utilizado pelas elites, por pessoas das classes médias, oportunamente. Seja em campanhas eleitorais, seja em programas televisivos, seja em festas de playboys. Esse funk não é reprimido, não é criminalizado, pois passou por um processo de apropriação, de embranquecimento. Enquanto o funk produzido nas favelas, nas periferias, majoritariamente negro, continua sendo reprimido.”
Em outro momento, quando Rubinho Nunes diz que a diferença entre ele e Chavoso da USP seria o fato de que o vereador não defenderia bandido, o cientista social respondeu “Não? Você defende Bolsonaro e o Pablo Marçal”.
A referência a Pablo Marçal se torna muito pertinente pelo fato de Rubinho Nunes, junto com o ex-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB, ter sido condenado a oito anos de ilegibilidade por uso de indevido dos meios de comunicação ao acusar o então candidato Guilherme Boulos (PSOL), sem provas, de ser usuário de drogas.
Por fim, Chavoso da USP denunciou que Rubinho Nunes e outros vereadores de direita que fazem parte da CPI não estão preocupados, como alegam, com o morador da periferia.
“Se é para falar sobre perturbação a essas pessoas, em como o trabalhador sofre, temos tantas outras coisas para falar também como, por exemplo, o fim da escala 6 por 1. Por qual razão só se fala em uma coisa específica, que é produzida lá dentro da periferia, mas o que é produzido pelo Estado e pelas elites, que vão lá para destruir as nossas vidas, não é falado", questionou.
“Nas periferias, temos moradores que não gostam do baile funk, e temos aqueles que gostam e tem o direito de frequentar eventos. E aí políticos ricos, que não são de periferia, se aproveitam disso para implantar mais contenda dentro das periferias e dividir a nossa população. O que o nosso povo precisa entender é que estes políticos não estão preocupados com eles (…) A gente precisa ter locais adequados para isso [bailes funks], locais abertos, públicos, que não estejam na porta das pessoas, mas que tenham acesso fácil. Se essa pessoa tiver que pegar um ônibus para chegar, ela não vai conseguir. Se tiver que pagar ingresso, não vai conseguir. É ter espaços públicos, construídos pelo poder público, nas periferias", concluiu Chavoso da USP.
Para a presidenta do Sindicato e uma das coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários, Neiva Ribeiro, é simbólica a tentativa de associação da cultura negra e periférica com o crime organizado no mesmo momento em que uma megaoperação revela que o PCC (Primeiro Comando da Capital) está instalado na Faria Lima, lavando dinheiro das suas atividades criminosas por meio de fintechs.
“Chavoso da USP deu uma verdadeira aula ao mostrar que a CPI dos pancadões está pouco ou nada interessada na paz do morador da periferia ou no combate ao crime organizado. Afinal, como disse o Chavoso da USP na CPI, e como ficou comprovado na megaoperação contra o PCC deflagrada na última semana, o crime organizado está em todos os lugares, inclusive em fintechs da Faria Lima, se aproveitando de brechas de fiscalização para lavar bilhões em dinheiro”, conclui a presidenta do Sindicato.
