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Ato homenageia adolescente morto pela polícia

Linha fina
“Por que o senhor atirou em mim?” foi a única coisa que o jovem de 17 anos disse antes de morrer
Imagem Destaque
São Paulo - Em ato realizado na Vila Medeiros, periferia da zona norte da capital paulista, o jovem Douglas Rodrigues, de 17 anos, morto há dois anos pela polícia, foi homenageado neste sábado 31 por parentes, amigos e integrantes de movimentos sociai, que reivindicaram justiça.

“Não levaram meu filho em 2 minutos? Por que essa demora toda por um resultado na Justiça?”, perguntava a costureira Rossana Martins, mãe de Douglas, que estava no último ano do ensino médio. Ele estudava à noite, trabalhava como entregador de pizza aos sábados e era chapeiro em uma lanchonete durante a semana.

No dia 27 de outubro de 2013, um domingo, Douglas preparou um sanduíche para o pai, o motorista de caminhão José Rodrigues, de 46 anos. O adolescente queria mostrar ao pai o que havia aprendido na nova função como chapeiro de lanchonete.

Às 13h45 daquele dia, Douglas saiu de casa caminhando, acompanhado do irmão de 13 anos, para consertar a chave do carro que havia comprado há uma semana. Ele pretendia ir até um chaveiro próximo de casa, quando uma viatura policial se aproximou. O policial Luciano Pinheiro atirou contra Douglas de dentro da sua viatura, segundo relato de testemunhas.

“Por que o senhor atirou em mim?” - A frase “Por que o senhor atirou em mim?” foi a única coisa que o adolescente conseguiu dizer antes de morrer, com um ferimento no peito que perfurou seu coração. Testemunhas disseram que outro policial que estava na viatura reprovou a atitude do colega: “O que você fez com esse garoto?”, perguntou.

Às 14h10, amigos de Douglas avisaram José Rodrigues sobre o que havia acontecido. “Eles falaram: o Douglas tomou um tiro. Eu pensei, na hora, que roubaram o tênis dele. Ele tinha comprado um tênis que custa mil reais, que eu tinha falado para ele não comprar. Mas, quando disseram [que o tiro] pegou no peito, uma lágrima caiu, e eu já pensei: acabou”, contou José.

A violência policial, segundo José, é um problema frequente na periferia. “Aqui, no bairro em que a gente mora, eles [policiais] já descem apontando arma, não querem saber se você tem trabalho, se tem documento. Dependendo do local e horário, primeiro, agridem. Alguns policiais já te dão o tiro e você nem sabe o porquê.”

Sonhos de Douglas - Alguns dos sonhos de Douglas eram terminar a escola, fazer uma faculdade, ter uma casa, uma motocicleta, um carro e dois cachorros pit bull. “Ele queria ser alguém, queria se formar, tem um bom emprego, ganhar bem”, lembrou a mãe.

Rossana, de 46 anos, disse que a lembrança do filho é sua motivação para continuar promovendo atos e buscando Justiça. “Isso é o que me faz estar de pé. Eu peço até perdão para Deus, eu tenho mais dois filhos, mas não tenho forças suficientes para levantar todo dia da cama. O que me dá força é saber que eu estou em busca de Justiça”, afirmou a costureisra. “A luta agora não é só minha, é do povo. Dos amigos, da família, dos vizinhos. É isso que a gente espera, porque, até agora, eu só vejo injustiça. A gente quer ver a Justiça sendo feita.”

No ato de hoje, os manifestantes caminharam com faixas e cartazes da Escola Estadual Victor dos Santos Cunha, onde Douglas estudava, até a Rua Bacurizinho, onde o adolescente morava para uma encenação promovida pela organização não governamental (ONG) Mudança de Cena. A rua foi fechada para a apresentação.

Leandro Senna, de 27 anos, diretor da peça, informou que os temas levantados foram o racismo e a discriminação da polícia na abordagem, sobretudo em regiões periféricas. “Para montar o espetáculo, partimos da história do Douglas, que gerou uma grande revolta na população. Quando se fala em Teatro do Oprimido, busca-se uma maneira de modificar as condições de opressão que eles vivem no seu dia a dia.”

Um dos atores, Kevin dos Santos, de 21 anos, disse que a peça mostra situações tão comuns que ele próprio vivenciou algumas. “Tem alguns quadros relatados na peça que aconteceram comigo. Uma vez eu fui assaltado, e quando a polícia chegou, acharam que eu era o assaltante. Queriam me levar preso. Então, é muito preconceito na periferia. E eu ainda sou negro”, acrescentou.


Fernanda Cruz - 3/11/2015
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