A liminar de despejo que propõe retirar 450 famílias sem-terra do acampamento Quilombo Campo Grande, no Sul de Minas Gerais, foi aprovada na quarta-feira 7, pelo juiz Walter Zwicker Esbaille Júnior, da Comarca de Campos Gerais (MG). Cabe recurso, e as famílias prometem recorrer da decisão. Os agricultores estão acampados há duas décadas no local, no município de Campo do Meio, e o terreno ocupado gera trabalho e renda para cerca de 2 mil pessoas.
A reportagem é do Brasil de Fato e foi replicada pela Rede Brasil Atual.
Com larga escala de produção agroecológica ou em transição, as famílias acampadas, cuja principal atividade é a produção do Café Guaií, levaram alimentos produzidos no quilombo para acompanhar o julgamento em frente ao Fórum daquela comarca, em defesa da permanência na terra e para protestar contra a ameaça de despejo.
"Vai ser a maior tragédia do Brasil se for despejado um acampamento de mais de 20 anos, que foi ocupado em 18 de março de 1998, e em todo esse tempo não houve o assentamento", analisa Sebastião Melia Marques, da direção regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do sul de Minas Gerais.
As famílias vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou suas atividades em 1996, embora ainda possua dívidas trabalhistas que ultrapassam R$ 300 milhões.
"Nós temos hoje uma cooperativa, a marca Café Guaií, que é conhecido em todo o país e fora do Brasil. Então nós temos como apresentar nossa produção e todas as nossas áreas plantadas de café e de outras variedades de alimentos", ressalta Débora Vieira Borges, dirigente estadual do MST pelo sul mineiro.
Segundo levantamento do MST, neste ano o acampamento Quilombo Campo Grande conta com 40 hectares de horta, 60 mil árvores nativas e 60 mil árvores frutíferas, além da produção de oito toneladas de mel. A safra anual de café chegou a 510 toneladas. As famílias produzem sem o uso de agrotóxicos.
José Maria de Moraes, de 18 anos, nasceu e cresceu no acampamento Quilombo Campo Grande e trabalhou na Usina Ariadnópolis. O acampado e agricultor afirma que não consegue se imaginar em outro lugar. "Eu sempre gostei de trabalhar aqui, porque foi onde nasci e nós temos o direito de nascituro. Acho que juiz nenhum pode banir esse direito".
Entenda o caso
O Decreto Estadual n.º 365/2015 desapropriava 3.195 hectares da falida Usina Ariadnópolis. O documento tinha como proposta desapropriar a área mediante o pagamento de R$ 66 milhões à Capia. Há dois meses, as famílias do Quilombo Campo Grande chegaram a firmar um acordo em que o Estado se comprometia a pagar o valor em cinco parcelas.
Porém, acionistas da empresa, apoiados pela bancada ruralista e latifundiários da região, não aceitaram o acordo e levaram o caso à Justiça contra o governo de Minas Gerais, pedindo anulação do decreto, que já havia sido validado por dois julgamentos.
Por meio de uma operação jurídica, os empresários retomaram uma liminar de despejo de 2012 referente à falência da usina, que, na época, foi negada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas não extinguida. Essa foi a liminar aprovada na quarta-feira 7.
Cerco
O caso do acampamento Quilombo Campo Grande não é um fato isolado em Minas Gerais. Na última terça-feira 6, um oficial de justiça, acompanhado de policiais militares, esteve no acampamento Gabriel Pimenta para notificar sobre o despejo das 30 famílias que vivem no local.
A área tem cerca de 290 hectares, pertence ao estado e estava improdutiva. Atualmente, o acampamento produz hortaliças, que são comercializadas no município de Antônio Carlos (MG), e possui uma escola estadual com séries iniciais, além da modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A permanência do acampamento Gabriel Pimenta está em negociação na Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, espaço de diálogo criado no âmbito da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab). Segundo o MST, por estar em negociação, a notificação do oficial de justiça é arbitrária.
“Retirar as famílias deste acampamento é uma ação ilegal e abusiva. O conflito se encontra em negociação, não há definição sobre ele. Qual é o interesse do estado sobre uma terra que estava abandonada? Não estamos dispostos a sair de nossas casas e deixar nossa plantação assim”, afirma Elisângela Carvalho, dirigente estadual do MST.
Nas últimas semanas, acampamentos do MST em diferentes estados do país têm sido alvo de ataques e ameaças de simpatizantes de Jair Bolsonaro (PSL) e da polícia. Na véspera do segundo turno, o acampamento Sebastião Bilhar, em Dois Irmãos do Buriti (MS), foi incendiado, o mesmo acontecendo dois dias depois com o acampamento Irmã Dorothy, em Tamboril (CE).