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Artigo

Autonomia do BC: mais um passo em direção ao ideário neoliberal

Linha fina
Em artigo, a presidenta do Sindicato, Ivone Silva, avalia como o PLP 19/2019, aprovado no Senado, enfraquece instrumentos de política econômica para o enfrentamento dos graves problemas do país no que diz respeito a desigualdade, emprego, renda, poder de compra e serviços públicos
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Foto: Seeb/SP

O Senado aprovou na terça-feira (3) o substitutivo do senador Telmário Mota (Pros-RR) ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019, que trata da autonomia do Banco Central. O ponto central do projeto consiste na alteração do período do mandato do presidente e dos diretores do Banco Central, fazendo com que não coincidam com os mandatos do presidente da República. De acordo com a proposta, o mandato do presidente do BC teria início apenas no terceiro ano do mandato do presidente da República e, dessa forma, nos primeiros dois anos a política monetária seria comandada por um Banco Central indicado pelo presidente anterior. 

A justificativa oficial para esta mudança é que com o descasamento dos mandatos do presidente do BC e presidente da República seria evitado o risco de que este último interfira na política monetária do país de forma oportunista em períodos eleitorais, por exemplo, reduzindo as taxas de juros com o intuito de expandir atividade econômica e assim ganhar o eleitorado de forma “populista”. Mas, na verdade, essa proposta representa mais um passo em direção ao ideário neoliberal com a crescente captura do Estado pelo mercado e o enfraquecimento dos instrumentos de política econômica a disposição do governo eleito pela população - seja ele qual for - para enfrentar os graves problemas do país no que diz respeito a desigualdade, emprego, renda, poder de compra e serviços públicos.

Os Estados Nacionais contam com um conjunto de instrumentos de política econômica que podem ser utilizados para promover crescimento econômico, gerar empregos, elevar e direcionar o crédito, controlar o nível de preços, aumentar a renda da população, melhorar serviços públicos como saúde e educação. Dentre esses instrumentos destacam-se aqueles ligados a política fiscal e a política monetária. A política fiscal diz respeito basicamente aos gastos e investimentos públicos e a política tributária do país, ou seja, a forma através da qual o governo irá arrecadar recursos e como irá distribuir estes recursos no orçamento público. Em dezembro de 2016, após o golpe que colocou Temer na presidência do país, esse instrumento foi extremamente fragilizado com a Emenda Constitucional 95, que criou o teto de gastos e limitou por 20 anos as despesas públicas em termos reais, engessando o orçamento público para saúde, educação, previdência e liberando cada vez mais recursos para o pagamento de juros da dívida pública, que tem como maiores beneficiários os bancos. 

Já a política monetária consiste basicamente no controle do nível de moeda e crédito que circulam na economia e o Banco Central exerce este controle através das taxas de juros, taxas de redesconto e depósitos compulsórios.  Através destes instrumentos é possível incentivar e direcionar o crédito, ativando a economia em momentos de crise, por exemplo. Todos esses instrumentos podem ser utilizados para o controle da inflação e também para a retomada da atividade econômica e emprego, no que se convenciona chamar de “duplo mandato” do Banco Central. É o que ocorre com o Federal Reserve nos Estados Unidos, por exemplo. No Brasil, o lobby do sistema financeiro historicamente fez com que nosso Banco Central tivesse um mandato único, ou seja, perseguisse apenas o controle da inflação através de juros exorbitantes, sem se preocupar com os impactos negativos na economia e no emprego. O projeto de autonomia do BC aprovado no Senado visa formalizar essa prática e engessar mais um dos instrumentos de política econômica do governo. Ainda que o texto tenha a previsão de que o BC deva ter como objetivos secundários “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, na prática isso se tornará inviável diante do descasamento de mandatos.

Imaginemos que em 2022, por exemplo, seja eleito um novo presidente e um novo projeto político com compromisso de retomar a atividade econômica, gerar empregos de qualidade e reavivar um projeto de desenvolvimento econômico no país com redução das desigualdades. Na prática, esse novo projeto eleito pelo voto popular terá enormes dificuldades tanto em fazer política fiscal em função do teto de gastos, quanto em fazer política monetária pois terá que conviver por dois anos com um Banco Central comprometido com o projeto político anterior, derrotado nas urnas.

O neoliberalismo não significa ausência de Estado, mas sim um Estado capturado pelo mercado e extremamente atuante para defender os interesses da elite econômica do país, que se apropria de parcelas cada vez maiores do orçamento público, invade áreas de competência do Estado e as transforma em espaços de valorização de capital. O projeto de autonomia do BC aprovado no Senado é mais um passo em direção ao ideário neoliberal e iremos lutar para que seja revertido na Câmara dos Deputados. 

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