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A “revolução” dos trabalhadores nos EUA e seus paralelos com o Brasil

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Funcionários de uma unidade do Burger King na cidade de Lincoln, em Nebraska, pediram demissão em massa e divulgaram a decisão no letreiro da rede de fast food.

Recentemente, a BBC News Brasil publicou a matéria “Greves e pedidos de demissão em massa: o movimento que pode resultar em ‘CLT’ nos EUA”, de autoria da jornalista Mariana Sanches, correspondente do veículo em Washington, abordando a recente onda de pedidos de demissão, greves e boicote às contratações temporárias de fim de ano nos EUA, assim como o aumento da aprovação popular aos sindicatos pelos estadunidenses, que chegou a 68%, a mais alta desde 1965, segundo pesquisa do Instituto Gallup.

Na foto, funcionários de uma unidade do Burger King na cidade de Lincoln, em Nebraska, pediram demissão em massa e divulgaram a decisão no letreiro da rede de fast food.

De acordo com Alexander Colvin, especialista em leis e conflitos do trabalho da Universidade Cornell, os EUA passam por um momento decisivo que pode alterar as características do capitalismo no país. 

“Há potencial para uma mudança real na direção de reconhecer mais direitos para os funcionários no trabalho. Os EUA se destacam como o país rico que não oferece proteções realmente básicas, como direito à licença médica remunerada, direito a férias básicas, a não ser demitido de forma injusta e arbitrária sem aviso prévio. O país tem mercado de trabalho totalmente desregulamentado. Isso está começando a mudar. E acho que essa mudança pode se acelerar”, disse Colvin em entrevista à BBC News Brasil. 

“O ponto em que estamos é como se estivéssemos esperando um lado piscar. Quem vai piscar primeiro? A indústria vai desmoronar e tornar as coisas melhores para os funcionários? Ou eles estão apenas jogando um jogo de paciência, achando que o movimento antitrabalho vai fracassar (porque os trabalhadores ficarão sem dinheiro e terão que voltar aos postos)? Estamos indo para um ponto de ruptura massivo. É o suficiente agora? Não, mas pode ser? Sim. E eu acho que enquanto o movimento continuar, eles serão forçados a fazer mudanças”, afirmou à BBC News Brasil Steve Rowland, um ex-gerente de comércio demitido durante a pandemia.

Brasil e o modelo de precarização dos EUA 

Para a diretora do Sindicato e presidenta de Juventude da Uni Américas, Lucimara Malaquias, o desmonte da legislação trabalhista no Brasil colocado em prática desde 2016 – quando a presidenta Dilma Roussef sofreu um golpe e Michel Temer chegou ao poder –, e intensificado no governo Bolsonaro, é inspirado exatamente no modelo que hoje é rejeitado pelos trabalhadores estadunidenses, em especial os mais jovens.  

“Os governos brasileiros, desde 2016, buscam colocar em prática o modelo tradicional estadunidense de desregulamentação das relações de trabalho e de ataque à organização dos trabalhadores. Um modelo baseado na ausência de direitos, de desmonte da fiscalização sobre normas do trabalho, contratos precarizados como os temporários e intermitentes, superexploração da mão de obra, terceirização e uberização do trabalho E, importante ressaltar, que as principais vítimas desta precarização são justamente os jovens, que, ao buscarem o primeiro emprego são submetidos a condições de trabalho desumanas”, explica Lucimara. 

“Um modelo que, agora, começa a colapsar nos EUA com a reação dos trabalhadores, que passaram a exigir que o trabalho não seja mais apenas uma relação de pagamento por hora trabalhada, mas que também ofereça garantias ao trabalhador. Garantias estas que no Brasil ainda sobrevivem, com muita luta da classe trabalhadora e de suas entidades representativas, na CLT, que o governo Bolsonaro deseja eliminar por completo”, acrescenta. 

Sem sindicatos, impera a barbárie

A também diretora do Sindicato dos Bancários e presidenta da UNI Finanças, Rita Berlofa, lembra que os bancários estadunidenses lutam há vários anos para se organizarem em sindicatos.  “A UNI Finanças e a CWA (Sindicato dos Trabalhadores em Comunicações da América), que representa mais de 700 mil trabalhadores de vários segmentos de serviços dos Estados Unidos, Canadá e Porto Rico, com o apoio do Sindicato dos Bancários de São Paulo e da Contraf-CUT, fazem uma luta internacional em favor da organização dos bancários dos EUA. A ausência desta organização, além de prejudicar os bancários estadunidenses, enfraquece a nossa categoria globalmente”, enfatiza. 

“Ao contrário dos bancários brasileiros, que fazem parte da classe média, com direitos e salários conquistados através da luta sindical - direitos estes que estão sob ataque do governo Bolsonaro e cada vez mais ameaçados de rebaixamento pelas terceirizações, a exemplo do que se pretende fazer com os trabalhadores da tecnologia do Santander - os bancários dos EUA são tratados como escravos do século 21, com a maioria dos trabalhadores dependendo de auxílio governamental para sobreviver. Quando inexiste a organização dos trabalhadores, impera a barbárie, a lei do mais forte. A perseguição e inviabilização do movimento sindical bancário nos EUA é uma prova inequívoca de que os setores mais poderosos, mais lucrativos, temem a organização dos trabalhadores, pois sabem o poder que os trabalhadores unidos e organizados tem para equilibrar e até mesmo inverter essa relação de forças”, avalia a presidenta da UNI Finanças.

Organização e unidade são o caminho para resistir

Segundo a presidenta de Juventude da Uni Américas, a “revolução” dos trabalhadores nos EUA, que hoje rejeitam a desregulamentação das relações de trabalho e buscam ter direitos que estão sob forte ataque no Brasil, mostra um caminho para que a classe trabalhadora brasileira defenda as suas conquistas históricas e busque melhores condições de trabalho. 

“Não por acaso esse fenômeno de rejeição ao trabalho desregulamentado e de boicote organizado aos modelos de contratação precarizados nos EUA coincide com a maior aprovação dos estadunidenses aos sindicatos. Para se estabelecer padrões mínimos nas relações de trabalho é indispensável que os trabalhadores estejam organizados junto aos seus sindicatos”, avalia Lucimara 

“Somente com organização e unidade, fortalecendo nossas entidades representativas, é que iremos resistir e vencer o desmonte das relações de trabalho no Brasil, que, ao contrário do que pregam seus defensores, não gera empregos, e cuja a única consequência é colocar a maior parte da nossa população em uma situação de miséria permanente. O desemprego nunca foi e não é consequência dos direitos trabalhistas. Ao contrário. A implosão dos direitos trabalhistas não gera empregos decentes, mantém uma massa de desempregados e subempregados, criando assim as condições ideais para a superexploração da mão de obra”, conclui.

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