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São Paulo – Apesar das chuvas acima da média dos últimos meses ajudarem a atenuar a situação crítica dos reservatórios, milhões de pessoas – sobretudo moradores das regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas – ainda enfrentam uma crise de falta de água sem precedentes. Questionada sobre as ações para combater o problema e evitar que se repita, a Sabesp respondeu encaminhando uma lista com mais de 30 obras que, segundo a companhia de saneamento, estão em andamento ou já foram entregues.
Entretanto, essas obras – mesmo que estejam em progresso – terão pouca efetividade na solução do problema se não houver mudança estrutural na Sabesp. A opinião é do engenheiro ambiental e professor da Universidade Federal do ABC Ricardo Moretti.
Ele argumenta que a Sabesp é uma empresa de capital misto com ações negociadas na bolsa, por isso visa o lucro. O acionista majoritário é o governo do estado de São Paulo.
A companhia fatura justamente com a cobrança do consumo de água e tratamento de esgoto, portanto não é interessante implantar medidas que estimulem o uso mais racional do recurso.
“Ao pagar sua conta de água, o consumidor está aportando recursos para o orçamento do estado. É o dinheiro que deveria ir para o saneamento reforçando os cofres públicos. É um modelo que não cumpre sua função social. A Sabesp, como está estruturada, tem verdadeira ojeriza a inciativas que reduzam demanda de água, uma inversão total de parâmetros”, avalia.
Os números comprovam. Em 2013, a Sabesp lucrou R$ 1,9 bilhão. No ano passado, o resultado foi bem menor (R$ 900 milhões), devido à crise de abastecimento de água. A solução encontrada pelo governo para reverter a situação foi cobrar mais dos consumidores. Desde dezembro do ano passado, em dois reajustes, a conta paga pelos paulistas ficou 21,73% mais cara.
Esgoto que rende – Metade do valor das contas de água deveria ser destinada para obras de saneamento básico. Para o Ministério Público, esse valor não está sendo investido como deveria. O órgão move pedido de indenização de R$ 11,5 bilhões contra a Sabesp e o governo do estado devido ao despejo de esgoto sem tratamento nos rios e córregos da região metropolitana de São Paulo.
“A Sabesp recebe o mesmo pela água e pelo esgoto [nas contas dos consumidores], e ela tem a mesma receita tratando ou não tratando, portanto ela tem baixíssimo interesse em tratar o esgoto, pois isso demandaria gastos. Por isso a gente vive essa situação apocalíptica. Você conhece algum córrego limpo em São Paulo?”, questiona Moretti.
“O tratamento de esgoto não chega a 25%, por isso estamos com esses rios totalmente poluídos”, reforça Júlio Cerqueira César Neto, engenheiro, professor aposentado da Poli e especialista em recursos hídricos.
O não tratamento de esgoto reduz ainda mais a oferta de água limpa em uma região com elevado estresse hídrico. A ONU recomenda 1.500 metros cúbicos por habitante por ano. A bacia do alto Tietê pode ofertar 200 metros cúbicos. A Bacia do Piracicaba Jundiaí disponibiliza 408 metros cúbicos. Ambas abastecem os reservatórios das regiões metropolitanas de Campinas e de São Paulo, que concentram cerca de 23 milhões de habitantes.
“Todas as obras tocadas pela Sabesp são emergenciais, apenas para fazer a população se acostumar com a situação, mas nada está sendo feito para resolver de fundo”, avalia Júlio César. Para ele, deveriam ser construídos novos mananciais. “Daqui a dois ou três anos pode acabar a estiagem, mas a crise de água vai continuar, não por falta de chuva, mas por falta de mananciais.”
O especialista também credita a crise hídrica a um problema estrutural gerado pela mudança de caráter da Sabesp, que não cumpre mais sua função social de tratar esgoto e distribuir água.
“Os técnicos e sanitaristas da diretoria da Sabesp foram todos substituídos por economistas e advogados, que passaram a se preocupar em distribuir dividendos para os acionistas. Nesses últimos 20 anos a empresa virou um verdadeiro balcão de negócios e não mais uma firma de saneamento, porque não está interessada em atender a população, está interessada em obter lucro.”
A Sabesp foi procurada para comentar as afirmações dos especialistas, mas não respondeu até o fechamento da edição.
Rodolfo Wrolli – 14/12/2015
Entretanto, essas obras – mesmo que estejam em progresso – terão pouca efetividade na solução do problema se não houver mudança estrutural na Sabesp. A opinião é do engenheiro ambiental e professor da Universidade Federal do ABC Ricardo Moretti.
Ele argumenta que a Sabesp é uma empresa de capital misto com ações negociadas na bolsa, por isso visa o lucro. O acionista majoritário é o governo do estado de São Paulo.
A companhia fatura justamente com a cobrança do consumo de água e tratamento de esgoto, portanto não é interessante implantar medidas que estimulem o uso mais racional do recurso.
“Ao pagar sua conta de água, o consumidor está aportando recursos para o orçamento do estado. É o dinheiro que deveria ir para o saneamento reforçando os cofres públicos. É um modelo que não cumpre sua função social. A Sabesp, como está estruturada, tem verdadeira ojeriza a inciativas que reduzam demanda de água, uma inversão total de parâmetros”, avalia.
Os números comprovam. Em 2013, a Sabesp lucrou R$ 1,9 bilhão. No ano passado, o resultado foi bem menor (R$ 900 milhões), devido à crise de abastecimento de água. A solução encontrada pelo governo para reverter a situação foi cobrar mais dos consumidores. Desde dezembro do ano passado, em dois reajustes, a conta paga pelos paulistas ficou 21,73% mais cara.
Esgoto que rende – Metade do valor das contas de água deveria ser destinada para obras de saneamento básico. Para o Ministério Público, esse valor não está sendo investido como deveria. O órgão move pedido de indenização de R$ 11,5 bilhões contra a Sabesp e o governo do estado devido ao despejo de esgoto sem tratamento nos rios e córregos da região metropolitana de São Paulo.
“A Sabesp recebe o mesmo pela água e pelo esgoto [nas contas dos consumidores], e ela tem a mesma receita tratando ou não tratando, portanto ela tem baixíssimo interesse em tratar o esgoto, pois isso demandaria gastos. Por isso a gente vive essa situação apocalíptica. Você conhece algum córrego limpo em São Paulo?”, questiona Moretti.
“O tratamento de esgoto não chega a 25%, por isso estamos com esses rios totalmente poluídos”, reforça Júlio Cerqueira César Neto, engenheiro, professor aposentado da Poli e especialista em recursos hídricos.
O não tratamento de esgoto reduz ainda mais a oferta de água limpa em uma região com elevado estresse hídrico. A ONU recomenda 1.500 metros cúbicos por habitante por ano. A bacia do alto Tietê pode ofertar 200 metros cúbicos. A Bacia do Piracicaba Jundiaí disponibiliza 408 metros cúbicos. Ambas abastecem os reservatórios das regiões metropolitanas de Campinas e de São Paulo, que concentram cerca de 23 milhões de habitantes.
“Todas as obras tocadas pela Sabesp são emergenciais, apenas para fazer a população se acostumar com a situação, mas nada está sendo feito para resolver de fundo”, avalia Júlio César. Para ele, deveriam ser construídos novos mananciais. “Daqui a dois ou três anos pode acabar a estiagem, mas a crise de água vai continuar, não por falta de chuva, mas por falta de mananciais.”
O especialista também credita a crise hídrica a um problema estrutural gerado pela mudança de caráter da Sabesp, que não cumpre mais sua função social de tratar esgoto e distribuir água.
“Os técnicos e sanitaristas da diretoria da Sabesp foram todos substituídos por economistas e advogados, que passaram a se preocupar em distribuir dividendos para os acionistas. Nesses últimos 20 anos a empresa virou um verdadeiro balcão de negócios e não mais uma firma de saneamento, porque não está interessada em atender a população, está interessada em obter lucro.”
A Sabesp foi procurada para comentar as afirmações dos especialistas, mas não respondeu até o fechamento da edição.
Rodolfo Wrolli – 14/12/2015