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Comissão da verdade sobre escravidão toma posse

Linha fina
Por dois anos, colegiado ligado à OAB tem o objetivo de trabalhar pela reparação e responsabilização dos que foram beneficiados por um dos piores regimes de exploração humana
Imagem Destaque

Rio de Janeiro - A Comissão Estadual da Verdade (CEV) do Rio de Janeiro, que vai analisar a escravidão negra, tomou posse na segunda 30 na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no centro da cidade. Ela tem o objetivo de trabalhar pela reparação e responsabilização dos que foram beneficiados por um dos piores regimes de exploração humana.

“Nós estamos trabalhando com a ideia de responsabilizar o Estado brasileiro, porque ele foi o grande beneficiado. Não vamos responsabilizar pessoas porque estão todas mortas. Cento e vinte sete anos se passaram, mas o Estado está aí. Ele foi montado em cima da escravização e, depois, da exploração e da exclusão da população negra.Temos que responsabilizar o Estado brasileiro. É ele que tem que nos reparar”, disse o presidente da comissão, o advogado Marcelo Dias, que também é presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-RJ.

Dias acrescentou que a reparação vai além das políticas públicas de ações afirmativas. “São políticas limitadas que beneficiam uma parcela da população negra. A política de reparação beneficia a todos”, completou. Outra questão classificada de relevante para ser analisada pelos integrantes é a exclusão dos negros dos espaços de poder. “Já temos 127 anos de uma abolição que mantém os afrodescendentes naquele lugar que todo mundo conhece, excluídos dos espaços de poder”, ressaltou.

Como vai ser - Como ocorreu com a Comissão Nacional da Verdade contra crimes da ditadura, o prazo para a conclusão dos trabalhos é dois anos, mas o primeiro relatório parcial será apresentado no fim de 2015. A intenção é fazer audiências públicas em todas as regiões do estado do Rio para discutir as reivindicações sobre o que a comissão deve apurar.

Além disso, acrescentou o presidente, haverá visitas aos quilombos no estado, a terreiros de umbanda e candomblé, a sítios históricos e a algumas instituições que trabalham com a memória da escravidão. A comissão vai contar ainda com o apoio de pesquisadores de instituições de ensino, como universidades e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e de 12 entidades do movimento negro.

“A gente acredita que esse número vai crescer quando o trabalho começar. Vamos fazer reuniões quinzenais aqui na OAB, porque é um tema que está despertando interesse não só do movimento negro como também de pesquisadores”, disse.

A exclusão territorial da população negra de alguns espaços da sociedade fluminense e do país também será analisado. Dias informou que é preciso discutir, por exemplo, uma área da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul do Rio. “Ali onde tem os belos prédios, onde vive a elite da sociedade fluminense, são locais onde tinha uma comunidade negra muito forte. Tínhamos ali a Favela da Catacumba, a Favela do Pinto. Essas populações foram expulsas desses locais e jogadas na Cidade de Deus [em Jacarepaguá, na zona oeste], na Cidade Alta, em Cordovil, [na zona norte], em conjuntos habitacionais que são verdadeiras favelas de concreto”, destacou.

Ele acrescentou que também é do interesse da comissão pesquisar onde estão peças das religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, que, segundo Dias, foram sequestradas pela polícia no início do século passado. “A gente recebe informações do pessoal dos terreiros que têm muitas peças sagradas que estão no Museu da Polícia Civil. A gente quer resgatar essas peças”, indicou, acrescentando que a comissão vai analisar as condições das comunidades quilombolas do Rio. “Como estão as 40 comunidades do Rio de Janeiro? Elas têm escola, têm posto médico? ”.

Ana Maria de la Merced Guimarães, diretora do Instituto dos Pretos Novos (INP), onde fica o museu com o cemitério de escravos jovens, na zona portuária da cidade, manifestou otimismo com a criação da comissão. “Acho que estamos avançando. Era o que estava faltando”, analisou. A diretora defendeu que é preciso aumentar os recursos para as pesquisas.

“Não é o cemitério dos pretos novos. É um cemitério com uma concentração enorme de corpos, mas há cemitérios em fazendas. Há um cemitério de escravos do século 18, que eram islamizados, porque com os corpos foram encontrados relicários com inscrições islâmicas, dentro do Jardim Botânico. Na década de 1980 esses corpos foram colocados em barricas e levados para o São João Batista [cemitério da zona sul] e acabou a história”, revelou. Ela pediu o aprofundamento das pesquisas para identificar outros cemitérios de escravos.


Cristina Indio do Brasil, da Agência Brasil, com edição da Redação - 31/3/2015

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