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Idioma e tradição são obstáculos à mulher indígena

Linha fina
Além de sujeitas as mesmas dificuldades que todas as brasileiras, enfrentam barreiras próprias, como a falta de informação sobre direitos
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Brasília - Além de estarem sujeitas as mesmas dificuldades que todas as brasileiras, as mulheres indígenas enfrentam barreiras próprias, como a falta de informação sobre os seus direitos, dificultada pelos obstáculos linguísticos, e as tradições culturais que não permitem que elas tenham voz na comunidade.

“Na minha tradição terena, por exemplo, as mulheres não podem falar muito. Hoje podem um pouco, mas quando as mulheres falam alto elas são discriminadas pelos homens, eles ficam meio preocupados, e avalio que eles têm também um pouco de medo de que elas tomem o lugar deles.  Não é da tradição falar muito, e as mulheres respeitam a tradição. Porém, a voz da mulher indígena é necessária e precisa ser ouvida.”, disse Míriam Terena, ativista da causa indígena e funcionária da Fundação Nacional do Índio (Funai), lembrando que elas também enfrentam muito preconceito fora das aldeias.

Míriam Terena é uma das fundadoras do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas, a principal tentativa de organizar as mulheres indígenas na defesa dos seus direitos, criado em 1995.

Na entrevista à Agência Brasil, ela conta que saiu adolescente da Aldeia Lagoinha, em Mato Grosso do Sul, e mudou os rumos da sua história. Segundo Míriam, quando chegou a Campo Grande sabia pouco do mundo, porque naquela época a educação indígena era ruim.

“Era semialfabetizada, porque naquela época a alfabetização indígena não era tão forte, os professores não eram tão preparados como os que vejo hoje”.

Agência Brasil - Quais são as maiores dificuldades que as mulheres indígenas enfrentam?
Míriam Terena - As indígenas, de forma geral entre os povos, culturalmente não participam muito das decisões da comunidade. A questão é devido à cultura e à tradição de muitos povos. A mulher é ainda colocada em segundo plano, destinada a cuidar dos filhos e da família e com pouca participação nas decisões. Até porque muitas não sabem os seus direitos. O acesso à informação é o ponto de partida para que as indígenas possam avançar na luta por igualdade.

O idioma é uma das maiores barreiras para muitas indígenas, pois muitas não falam português. Muitas têm medo de enfrentar o sistema dos não índios e pouca ou nenhuma informação sobre a luta por direitos e por igualdade. Elas têm certa dificuldade de se relacionar com o mundo externo, porque dentro da comunidade, elas são protegidas pelos valores da sua cultura, e ao sair não têm essa proteção.

O acesso à educação hoje é uma realidade para as indígenas?
Atualmente elas estão conseguindo, com dificuldades, sair das aldeias e irem para a cidade enfrentar esse outro mundo. Conhecendo o sistema dos não índios, elas têm muito mais acesso para estudar, se formar e correr atrás dos seus objetivos.

Elas ainda enfrentam muitas barreiras, mas cada vez mais mulheres querem estudar. O preconceito é muito grande. Na minha experiência pessoal e de outras indígenas que convivo, parece-me que todas passam pelas mesmas dificuldades. Ao sair da aldeia, a primeira dificuldade é a língua e depois o preconceito por ser indígena.

A minha trajetória não foi fácil. Mas estou sempre em contato direto com o meu povo e vejo que houve melhoras daquela época para cá. Um exemplo é a educação indígena. Hoje os professores indígenas são bem treinados, têm nível superior, existe uma preocupação maior em garantir uma educação melhor e que falem bem o português, para conseguir enfrentar o mundo fora da aldeia. Isso está acontecendo lá.

Como foi que você se envolveu com a luta por igualdade entre homens e mulheres? Você precisou se afastar das suas tradições?
Nasci na Aldeia Lagoinha. Aos 15 anos, mudei com meus pais para Campo Grande a fim de estudar. Era semialfabetizada, porque naquela época a alfabetização não era tão forte, os professores não eram tão preparados como os que vejo hoje. Quando cheguei lá comecei a enfrentar aquele mundo novo com certa timidez e receio de várias situações. Mas eu fui lutando e consegui me formar. Depois fiz um curso de enfermagem e participei da Missão Kaiowa na Aldeia Jaguapiru, na reserva próxima a Dourados.

Meu primeiro emprego foi no Pronto-Socorro da Santa Casa de Campo Grande. Teve um médico que me incentivou muito, porque eu nem pensava em emprego naquela época. Eu não tinha esse tipo de ambição de ser independente, de ter um salário, eu não pensava nisso. Eu só pensava em ir para frente e ter mais conhecimento. Eu queria ser médica, mas meus pais não acreditaram nesse sonho e não me apoiaram, porque eles não entendiam. Eu queria trabalhar no Projeto Rondon, porém esse plano não foi concretizado.

Alguns anos depois entrei na Funai, onde ainda estou. Também atuei na Casa do Índio em Mato Grosso do Sul, atendendo as etnias do estado na área de saúde. Hoje trabalho com três terras indígenas dos povos Xavantes, na inclusão das mulheres xavante, que estão enfrentando muitas dificuldades, além de não entenderem o português. Quando eu converso com elas, vejo que querem saber seus direitos, mas elas são muito oprimidas, têm medo de falar e encarar os homens.

E qual é a maior dificuldade que elas estão enfrentando?
O acesso à saúde para os índios ainda deixa muito a desejar. E as maiores vítimas são as mulheres, que precisam de assistência especialmente nos partos. A nossa luta há anos é por um programa de atenção integral à saúde para mulheres e crianças indígenas. Em muitos municípios essas mulheres não recebem atendimento. Falta também informações gerais sobre saúde. As mulheres gestantes não têm informações básicas sobre ao que devem se atentar. As idosas também não têm informações para identificar problemas como hipertensão e diabetes. Eu acho que a saúde das indígenas ainda não é uma prioridade.

As mulheres indígenas estão unidas na luta por igualdade e acesso aos direitos?
No período em que passei em Brasília fui convidada para participar de uma reunião no Rio de Janeiro sobre Beijing + 10, uma discussão sobre os direitos das mulheres. Até então eu ainda não sabia nada sobre os direitos das mulheres. Na minha tradição terena, as mulheres não podiam falar muito. Hoje podem um pouco, mas, quando as mulheres falam alto, elas são discriminadas pelos homens, eles ficam meio preocupados, e avalio que eles têm também um pouco de medo de que elas tomem o lugar deles. Não é da tradição falar muito, e as mulheres respeitam a tradição. Porém, a voz da mulher indígena é necessária e precisa ser ouvida.

No Rio de Janeiro, eu e outras colegas da Funai percebemos que estavam falando de tudo: de mulheres negras, das feministas, dos direitos, mas não tinham uma visão das indígenas. Elas não estavam presentes nesse debate porque não estavam organizadas. Em 1995 resolvemos mudar esse cenário e criamos o Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (Conami), uma entidade de articulação, promoção e defesa desse grupo. A partir daí estamos tentando assegurar que a voz delas seja ouvida, mas não é fácil. Ainda lutamos contra muito preconceito que enfrentamos diariamente, dentro e fora das comunidades indígenas, porque os homens não deixam a gente tomar a frente.


Maiana Diniz, da Agência Brasil - 14/3/2016
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