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Índio reitor quer internacionalizar a Federal de RR

Linha fina
Primeiro indígena à frente de uma universidade federal no país afirma que universidade tem de dar oportunidade para indígenas se qualificarem: "Tem uma dívida social que temos com essas comunidades"
Imagem Destaque
Brasília – “Sou um sobrevivente”, diz o reitor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Jefferson Fernandes do Nascimento. Ele é o primeiro indígena à frente de uma universidade federal no Brasil. No início de março, esteve em Brasília para ser empossado pelo Ministério da Educação (MEC) e conversou com a Agência Brasil.

Calmo e com um sorriso amável, Nascimento conta: “Sempre estudei em escola pública, pública indígena, inclusive, e só cheguei à universidade como docente porque casualmente tive a oportunidade de fazer o ensino público". Doutor em Agronomia, 51 anos, ele comandará a instituição até 2020.

Como prioridades, o reitor diz que terá a ampliação da assistência estudantil, a oferta de pós-graduação a indígenas e a internacionalização da universidade. A UFRR foi criada em 1989. Atualmente, oferece 29 cursos de bacharelado, 20 licenciaturas e um curso tecnológico em três diferentes campi em Boa Vista.

Localizada na região Norte, lida com uma realidade específica, atende majoritariamente estudantes oriundos de escolas públicas e indígenas. Na universidade, está o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, que oferece cursos de gestão em saúde coletiva, gestão territorial e licenciatura intercultural. Os demais cursos reservam também vagas para esse público. Medicina foi o primeiro a aderir a esse sistema de cota.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

O que representa a Ufrr na região?
Temos uma diversidade muito grande de alunos que ingressam na universidade, 20% a 30% são indígenas. Além dos três cursos específicos, que são cursos para indígenas: gestão territorial, licenciatura intercultural e gestão em saúde coletiva. E há um dado importante em relação a outras instituições federais é que desses 8,5 mil alunos em todos os cursos, 90% ou mais são oriundos de escolas públicas. Diferente de outras realidades, inclusive, da região Norte, que não tem esse percentual no ensino superior.

O que muda na instituição por atender majoritariamente alunos vindos de escolas públicas e indígenas? Que desafios o senhor terá que enfrentar?
Primeiro manter nível de assistência estudantil. Atendemos hoje de 40% a 50% dos estudantes que têm vulnerabilidade social e praticamente todos os indígenas. Expandir essa assistência é uma questão fundamental para os próximos quatro anos. A gente quer avançar na pós-graduação. Temos 35% de doutores na instituição, dos 570 professores. A gente perde muito doutor por estar longe da região central.

Nesse contexto de dificuldade financeira, o orçamento da Ufrr sofreu muitos cortes? Que impacto isso teve?
Hoje, nosso orçamento está garantido. Não haverá cortes na medida que não haja mais alterações no cenário econômico. Se compararmos com o ano passado, tivemos um ganho orçamentário. O que dificulta é que o financeiro não vem. Temos R$ 3 milhões para pagar de conta na universidade, assistência, restaurante etc. O MEC (Ministério da Educação) manda, ao invés desses R$ 3 milhões, menos. Essa dificuldade a gente teve no ano passado. Neste ano, pelo menos até agora está tranquilo. E a garantia que tivemos do MEC é que não haverá corte. Dependerá apenas do financeiro.

O senhor diz que quer ter foco na formação indígena.
A gente quer incluir a participação da Ufrr na rede que está sendo criada pelo MEC, uma rede para atender com todas as ações que existem em várias universidades. Por exemplo, vou poder mandar alunos para fazer curso de graduação. Queremos também ofertar mestrado para os três cursos que já existem. Já há trabalho de formação de professores para trabalhar nas áreas indígenas, mas eles precisam avançar na formação, precisam se pós-graduar para continuar investindo na carreira. A gente quer propor uma parceria com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e criar mestrado na área de gestão territorial.

Por que é preciso formar cada vez mais indígenas?
Porque dificilmente não indígenas vão trabalhar em terra indígena. A gente entende que, formando o indígena, o atendimento na área indígena é facilitado porque ele se sente mais ambientado. Sabemos que a questão indígena é muito diversa. Os ianomâmis e macuxis são culturas totalmente diferentes. Como há essa diversidade, temos de trabalhar nessa diversidade. Não é formar qualquer indígena. É formar indígena ianomâmi, indígena macuxi. Temos que avançar nessa direção, o que é um desafio.

O senhor mesmo é indígena?
Sim. Nascido em Surumu, Raposa Serra do Sol. Na verdade, sou um sobrevivente do processo. Sempre estudei em escola pública, pública indígena inclusive e só cheguei à universidade como docente porque casualmente tive a oportunidade de fazer ensino público, estudar na universidade federal. Senão, eu não estaria aqui para contar essa história. E a universidade federal tem esse papel, de corrigir, de minimizar, de dar oportunidade para essas pessoas se qualificarem. Tem uma dívida social que temos com essas comunidades.


Mariana Tokarnia, da Agência Brasil - 28/3/2016
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