São Paulo – Os deputados favoráveis à terceirização irrestrita repetiram insistentemente durante a longa sessão que aprovou o PL 4302 (foram 231 votos a favor) os mesmo argumentos: que a medida criaria empregos, que protegeria os direitos dos terceirizados e que significaria a modernização da produção e do trabalho no Brasil. Os mesmos pontos foram usados pelos empresários ao comemorarem a aprovação do projeto que permite a eles terceirizar até mesmo as atividades principais de suas empresas e ainda amplia o prazo para que contratem trabalhadores temporários. Mas o que está por trás desse discurso?
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Geração de emprego? – O economista José Dari Krein, professor do Instituto de Economia e do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), ambos da Unicamp, destaca que não há nenhum estudo empírico que comprove isso. “Pelo contrário, um estudo da OIT [Organização Internacional do Trabalho] de 2015, feito em 63 países mostra que os que ampliaram a legislação de proteção aos trabalhadores criaram muito mais empregos do que os que adotaram medidas de redução de direitos trabalhistas.”
O professor ressalta ainda que a geração de emprego depende muito mais da dinâmica econômica, do que do valor da mão de obra. “Os empresários não vão contratar mais porque a mão de obra está mais barata [os terceirizados ganham menos e têm jornadas maiores], vão contratar mais se a demanda aumentar.”
E sob esse aspecto, segundo Dari Krein, a tendência é que a terceirização irrestrita reduza empregos: “A tendência [da terceirização] é rebaixar salários, os trabalhadores vão ganhar menos. Ao diminuir a renda das pessoas, elas vão comprar menos, e os empresários vão começar a vender menos, ou seja, a indústria vai ter menos demanda, vai produzir menos, vai gerar menos emprego. Essa medida reforça a lógica recessiva da economia”, explica. “É importante lembrar que salário não é só despesa, é renda”, acrescenta.
“Maior especialização” – Outro argumento de empresários e políticos da base de Temer é de que a terceirização é especialização do trabalho. “Existem situações de trabalho especializado de fato, como o transporte de valores no banco, por exemplo, mas pesquisa feita pelos próprios empresários [pela CNI], mostra que em mais de 80% dos casos, usa-se a terceirização para reduzir custos com mão de obra”, rebate o professor.
“Proteção jurídica para terceirizados” – Essa é mais uma falácia dos defensores da medida. O economista explica que o terceirizado tem os mesmo direitos previstos na CLT. O problema é que, com a aprovação da terceirização irrestrita, trabalhadores de categorias com conquistas para além da CLT correm o risco de se tornarem terceirizados e perderem os direitos previstos em suas CCTs (convenções coletivas de trabalho). É o caso dos bancários, por exemplo. “A ameaça principal não é para os terceirizados, porque o projeto não altera tanto a situação dos que são terceirizados, ele prejudica os que não são terceirizados, que correm o risco de sê-lo.”
O que as empresas querem, segundo Dari Krein, não é segurança jurídica, e sim poder contratar da forma mais interessante para eles, sem que isso gere nenhum questionamento judicial. “Querem ter a liberdade de determinar a forma de contratação, uso e remuneração do trabalho. Essa segurança de poder fazer o que quiser significa, por outro lado, uma enorme insegurança para os trabalhadores. São eles que vão sofrer as consequências de ficarem absolutamente vulneráveis. O projeto submete os trabalhadores a uma vulnerabilidade total”, afirma.
Barbárie – O economista diz que piores condições de trabalho viram uma bola de neve. “Quando um setor precariza, outro faz a mesma coisa para manter a competitividade. Por exemplo, se um banco conseguir aumentar a jornada para oito horas, outros farão o mesmo”. Hoje nos bancos a jornada só é de oito horas para comissionados, os bancários que não ocupam cargos comissionados têm jornadas de seis horas. Já os terceirizados têm jornadas de oito horas.
“Esse projeto promove uma estratégia de competitividade espúria, baseada simplesmente em reduzir o custo do trabalho via redução de salários e benefícios. Competitividade não é isso, é investimento em tecnologia, infraestrutura, desenvolvimento tecnológico, pesquisa, depende da política econômica – o câmbio, por exemplo, é fundamental para as exportações. Ou seja, competitividade é a combinação de uma série de fatores, mas o projeto só quer diminuir o valor do trabalho”, critica o economista.
O professor destaca ainda que adotar uma competitividade baseada na redução do valor da mão de obra é entrar na globalização de forma indigna. “Em Bangladesh, por exemplo, um trabalhador recebe 38 dólares mensais, é muito difícil chegar a esse patamar tão baixo, e ao se fazer isso, ou se tentar fazer isso, se estará rompendo o tecido que garante a vida social, promovendo mais exclusão, mais violência, maior desigualdade. O papel de oferecer mão de obra barata para o mundo é extremamente perigoso e agressivo para a sociedade. Estamos acabando com a possibilidade de se construir um pais minimamente civilizado. É um imenso retrocesso social”, conclui.