A Mancha Verde é a campeã do carnaval 2019 de São Paulo. A escola levou o troféu pela primeira vez após conduzir, na noite de sexta-feira 1º, desfile inspirado na princesa africana Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares. O enredo levou para a passarela alas e alegorias propondo uma reflexão sobre o passado de escravidão e suas consequências históricas para os direitos de negros e mulheres – passando pela intolerância religiosa.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
No sambódromo do Anhembi, a Mancha Verde alcançou pontuação máxima, 270, um décimo de ponto à frente de Dragões da Real e Rosas de Ouro.
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A escola que disputa o grupo especial desde 2005 é a segunda originária de torcida de clube de futebol a alcançar o título da liga paulistana. A corintiana Gaviões da Fiel, que terminou em oitavo este ano, já venceu quatro vezes. A Dragões da Real, ligada a uma torcida organizada do São Paulo, foi vice este ano e em 2017.
Uma das escolas mais admiradas e tradicionais do carnaval de São Paulo, a Vai-Vai ficou numa surpreendente lanterna e disputará o grupo de acesso, junto com a penúltima Acadêmicos do Tucuruvi. Apenas 1,2 ponto separou a última colocada da primeira.
No final de 2018, a diretoria do Palmeiras, campeão brasileiro de futebol, convidou o presidente eleito Jair Bolsonaro para a festa no campo. A parte da torcida que saudou o "mito", porém, talvez não deva contar com ele na celebração da escola de samba.
A crítica ao racismo, à escravidão, à intolerância religiosa e ao machismo não cabem no perfil de Bolsonaro –cujo início de governo tem se anunciado desastroso nesses quesitos, em sintonia com a história política do ex-capitão. Bolsonaro é a antítese das mensagens de alas da Mancha Verde, como "Lágrimas da Dor", "Marcas da Tortura" ou "Mar Vermelho de Sangue", assim como de todo espírito de diversidade, liberdade, irreverência – e até de protesto –, associado aos ritos do carnaval.
Confira o samba enredo da Mancha Verde 2019
A Saga de uma Guerreira Negra
Tambores vão ecoar, a festa vai começar
O meu batuque traz a força do terreiro
A mancha verde é kizomba amor
Salve a princesa! Viva o povo negro!
O ora ie ie ô ora ie ieu mamãe oxum
Um ventre de luz, o fruto do amor
Kaô kabecilê xangô
África, suntuosa riqueza
África, reluz o encanto e a nobreza
A fé conduz o povo a lutar
Tristeza marejou meu olhar
Oh senhor, tem piedade
Dos corações sem liberdade
A alma que chora, a pele que sangra
Qual será o meu valor?
Entrego minha vida
Rainha do mar, Iemanjá
Aportou, na terra do sol e do maracatu
Vidas no suspiro derradeiro
Na fria solidão do cativeiro
Mãos calejadas a lavourar
Não perdi a fé nos orixás
Senhora do rosário, oh nossa senhora
Aos pés do seu altar, clamo a igualdade
Palmares, vi um céu de luz e liberdade
A força de zumbi a nos guiar
Nas bênçãos de oxalá
A força da cultura negra
O carnaval de São Paulo surgiu na região central da cidade e, no início, era considerado uma festa branca. O repórter Jô Miyagui mostra que, aos poucos, a folia foi se moldando às tradições musicais afro-brasileiras e as escolas de samba tornaram-se espaços de resistência da população negra. Assista à reportagem da TVT