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Crise do Cantareira revela falência hídrica paulista

Linha fina
Para especialistas, cerca de 28 milhões de pessoas correm o risco de ficar sem água já nos próximos anos. "Não posso admitir que em pleno século 21 atribuam problema de má gestão a ausência de chuvas"
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São Paulo – Cerca de 28 milhões de pessoas no estado de São Paulo correm o risco de ficar sem água já nos próximos anos, e a crise de água no sistema Cantareira é um indício evidente da crise hídrica na região. O dado foi exposto durante ciclo de seminário sobre a água, realizado no instituo Polis, na quinta-feira 29.

Essas milhões de pessoas encontram-se na chamada macro metrópole paulista, que engloba as cidades das regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Sorocaba, Vale do Paraíba e Santos. De acordo com o diretor de políticas públicas do Greenpeace Sérgio leitão, até 2030 a região será a quarta mais afetada pela falta de água em todo o mundo.

“Atualmente já existe uma situação em que as indústrias não se instalam mais no polo petroquímico de Paulínia justamente porque não tem garantido o abastecimento de água. O capital pode ser egoísta, mas não é burro”, afirma Leitão, acrescentando que a bacia do Rio Piracicaba estará seca também até 2030.

Se por um lado o sistema hídrico é insuficiente para atender a demanda populacional e industrial, por outro lado, a Sabesp admite que um quarto da água captada pela estatal na Grande São Paulo é desperdiçada no trajeto entre a represa e o consumidor final.

O geógrafo e professor da universidade de São Paulo Wagner Riberio ressalta que atualmente São Paulo passa pela maior seca dos últimos 80 anos. “Mas a pergunta é: ‘e daí?’ não seria possível imaginar que esse tipo de situação pudesse vir a ocorrer? Cadê a nossa capacidade de gestão para uma situação de emergência como essa?”

“Nós já vivemos em um regime de escassez hídrica agudo, e há ainda desinformação veiculada a todo o instante. Estão jogando mais uma vez a culpa em São Pedro. Não posso admitir que em pleno século 21 atribuam problema de má gestão a ausência de chuvas”, critica Wagner.

Em seminário realizado na assembleia legislativa em 14 de maio, o especialista em recursos hídricos Mario Reali lembrou que a Sabesp jamais elaborou um plano de contingência para ações durante situações de emergência. Essa foi uma determinação da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) para que a empresa pudesse renovar sua concessão e explorar os recursos hídricos, em 2004.

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Outra questão apontada como responsável pela atual crise da água é o atual modelo de gestão da Sabesp. A estatal é uma empresa de capital misto, sendo que o governo estadual detém 51% das suas ações. Os outros 49% estão divididos entre acionistas brasileiros e estrangeiros, que visam o lucro.

Entre 2003 e 2013, foram distribuídos R$ 4,372 bilhões em dividendos para os acionistas. Os lucros da Sabesp no mesmo período atingiram R$ 13,13 bilhões, de acordo com balanço da empresa. Os valores estão corrigidos. Com esse valor, segundo Conceição Lemes, do site Viomundo, daria para construir seis vezes o Sistema Produtor de Água São Lourenço, cujas obras tiveram início somente em 10 de abril deste ano, com previsão de término em cinco anos.

“É função do governo obter dividendo de uma empresa que tem como função oferecer um produto fundamental à população?”, questiona o geógrafo Wagner Ribeiro. “Para mim, a crise hídrica atual coloca uma pá de cal mostrando que esse modelo de privatização da Sabesp não atende as nossas necessidades”, afirma.

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Escassez - Em fevereiro, a gigante multinacional do ramo químico Rhodia, localizada no interior de São Paulo, teve que interromper suas atividades durante duas semanas por conta da baixa disponibilidade de água captada do rio Atibaia.

A Bacia do Piracicaba, da qual faz parte o Atibaia, fornece 408 metros cúbicos por habitante por ano. Já a do Alto Tietê disponibiliza 201 metros cúbicos de água por habitante por ano. Ambas abastecem o sistema Cantareira.

A ONU classifica como adequado o volume de 2.500 metros cúbicos de água por habitante por ano. Nível abaixo de 1.500 metros cúbicos já é considerado crítico pelo organismo internacional.

Soluções – Para tentar reverter o quadro, segundo os especialistas, são necessárias ações que visem a preservação de áreas de proteção ambiental em torno das bacias hidrográficas localizadas na macrometrópole paulista; proteger de forma efetiva as áreas de mananciais; enfrentar a crise habitacional, já que muitos assentamentos são localizadas em áreas de proteção; reorganizar o processo de saneamento básico e de distribuição de água; cobrar por meio de leis que as indústrias reutilizem a agua em seus processos de produção.

“A gente precisa aproveitar o tema de uma forma positiva, ou seja, questionar porque uma crise deste porte, na maior cidade do Brasil, recebe um tratamento absolutamente ridículo do governo do estado”, afirma o diretor de políticas públicas do Greenpeace Sérgio Leitão.


Rodolfo Wrolli – 30/5/2014

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