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Especialistas "inocentam São Pedro" por crise d'água

Linha fina
Ineficiência da Sabesp e falta de investimento do governo são apontados como responsáveis pelo desabastecimento; CUT prepara ação judicial caso Alckmin decrete multa para quem não racionar água
Imagem Destaque

São Paulo – Os reservatórios do Sistema Cantareira, que abastecem grande parte região metropolitana de São Paulo, chegaram ao nível mais baixo da história. Mas a culpa não é de São Pedro, e sim da falta de investimento da Sabesp e do governo. Esse foi o consenso a que chegaram os participantes do seminário Crise da Água em São Paulo, promovido pela CUT/SP. A conferência foi realizada na terça-feira 13, na Assembleia Legislativa.

A Sabesp recebeu autorização para explorar a distribuição de água ainda em 1974. A licença venceu em 2004, e para que pudesse ser renovada, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) fizeram uma série de exigências, dentre elas, que a estatal elaborasse um plano de contingência para ações durante situações de emergência.

A empresa também deveria providenciar, no prazo de até 30 meses, estudos e projetos que viabilizassem a redução de sua dependência do Sistema Cantareira.  Essas determinações nunca foram efetivadas, de acordo com o especialista em recursos hídricos Mario Reali.

“O descumprimento dessas exigências provocou uma defasagem de investimento e agora nós vemos esse desespero do governo do estado com a situação atual”, complementou.

Água de esgoto – O professor da Universidade Federal do ABC e especialista em planejamento urbano Ricardo Moretti lembrou que o Ministério Público Estadual move ação contra a Sabesp no valor de R$ 12 bilhões. Esse montante foi estimado em cima do dinheiro cobrado da população para tratar o esgoto que, no entanto, não foi tratado.

“A Sabesp levou esse dinheiro da população ao deixar de tratar os esgotos e isso está acarretando em outro fenômeno de arrepiar, pois a empresa está jogando agua não tratada do [rio] Tietê e do [rio] Pinheiros para dentro da represa Billings.”

Moretti ressalta que esse processo ocorre apenas em casos emergenciais. “Só que essas situações são extremamente comuns. A cada dois litros da Billings (que abastece boa parte da região metropolitana), um é de água que lavou a Grande São Paulo, e nós estamos bebendo dessa água”, afirma.

Volume morto – Moretti também alertou para o plano emergencial adotado pelo governo do estado, que consiste em utilizar a água que fica abaixo do nível de captação das comportas dos reservatórios, e que, segundo especialistas, é de péssima qualidade.

Moretti comparou o volume morto com o lodo que fica armazenado no fundo de uma caixa d’água. “Há uma perspectiva de que possa haver algas e cianobactérias que podem comprometer a saúde dos usuários”, afirmou.

O governo do estado anunciou gastos de R$ 80 milhões para a realização das obras que possibilitarão a utilização do volume morto. De acordo com o jornal Estado de S. Paulo, essa água começou a abastecer a região metropolitana nesta quarta-feira 14.

Lucros – A Sabesp é uma empresa de capital misto, sendo que o governo estadual detém 51% das suas ações. Os outros 49% estão divididos entre acionistas brasileiros e estrangeiros.

O estatuto social estabelece que os acionistas podem receber 25% do lucro líquido anual da empresa (payout). No entanto, a concessionária chegou a distribuir porcentagem muito maior de dividendos durante o governo Geraldo Alckmin (PSDB).

Em 2003, por exemplo, primeiro ano de gestão do tucano, 60,5% do lucro líquido da Sabesp foram parar no caixa de acionistas. Desde a sua entrada na bolsa de valores, em 2002, a Sabesp nunca registrou payout inferior a 26,1%.

“Uma empresa com quase metade da composição acionaria privada tem compromissos com acionistas, e eles estão pouco preocupados se na região de Brasilândia tem água ou não. Eles estão preocupados com retorno”, opinou o deputado estadual Nivaldo Santana (PCdoB).

O lucro líquido da Sabesp atingiu R$ 1,923 bilhão em 2013. Deste total, R$ 534, 2 milhões foram distribuídos aos acionistas. Desde 2003, a empresa acumulou lucro de R$ 13,113 bilhões. Deste total, R$ 4,372 bilhões foram parar nas mãos dos acionistas.

Os dados são do relatório da diretoria econômico-financeira e de relações com investidores da Sabesp, e datam de março de 2014.

Ineficiência – Para o deputado estadual Alencar Santana (PT), a crise da água é mais uma demonstração da ineficiência e da discriminação do governo estadual.

“A Sabesp não corta a água das áreas nobres, e sim da periferia. O governo sabia de antemão, tinha informações oficiais apontando a necessidade de alternativas para a produção e captação de água. E ainda é um governo covarde, que não assume a culpa pela ineficiência e quer transferir a culpa para a população, com racionamento e multa”, afirmou.

Multa – O presidente da CUT/São Paulo, Adi dos Santos Lima, anunciou que a central sindical vai entrar com ação judicial na Procuradoria-Geral da República caso o governo Alckmin decrete multa para os usuários que não racionarem água.

"Consideramos que a cobrança é inconstitucional. Por que o governador não começou a multar ainda? Porque antes ele precisa publicamente decretar o racionamento. Como o Alckmin não tem coragem de decretar o racionamento, ele ainda não pode publicar a multa”, declarou Adi.


Rodolfo Wrolli – 14/5/2014

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