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Casos de abuso sexual sobem 62% nos trens de SP

Linha fina
E 98% dos casos do primeiro trimestre de 2016 não foram registrados como crime; 527 mil mulheres são estupradas por ano no Brasil
Imagem Destaque
São Paulo – Entre o primeiro trimestre de 2015 e o mesmo período deste ano, os casos de abuso sexual nos trens do Metrô e da CPTM cresceram 62%. E a impunidade impera: em 2016, de um total de 55 casos, 54 (98%) não foram registrados como crime. A Polícia Civil os classificou como importunação ofensiva ao pudor – contravenção penal com pena prevista pela lei de multa, em caso de condenação.

Na prática, mesmo quando levados à delegacia, os suspeitos desse delito não ficam presos nem respondem a processo criminal convencional por falta de previsão legal. O outro caso foi registrado como violação sexual mediante fraude. Nenhum estupro foi contabilizado no período.

Os dados constam de levantamento inédito feito pelo site de jornalismo independente Fiquem Sabendo, com base em dados da Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano), da Polícia Civil. Essa delegacia é responsável por registrar e investigar os casos de abuso sexual no sistema metroviário ocorridos em toda a capital paulista.

Não estão computados nessa pesquisa eventuais ocorrências de violência sexual registradas por passageiras da CPTM em delegacias de outras cidades da Grande São Paulo.

Os números representam a soma anual dos termos circunstanciados e boletins de ocorrência com as três naturezas criminais mais tipificadas pela Polícia Civil em relação ao abuso sexual: importunação ofensiva ao pudor, violação sexual mediante fraude e estupro. A lei prevê pena de prisão de dois a seis anos para a violação sexual mediante fraude, e de seis a dez anos em caso de estupro.

Molestamento – Na avaliação do jurista e professor de direito penal Luiz Flávio Gomes, isso só ocorre porque a lei brasileira não prevê um crime intermediário entre a importunação e o estupro.

“Pela lei, a importunação ofensiva ao pudor pressupõe que não haja toque físico. Um exemplo disso é a situação em que o homem chama a mulher de bunduda, gostosa ou qualquer outra forma que a ofenda”, diz Gomes. “Havendo toque físico, qualquer que seja ele, é estupro.”

De acordo com o jurista, o fato de o estupro ter uma pena muito alta faz com que a polícia e o próprio Poder Judiciário classifiquem os casos de abuso sexual de outras formas. Assim, eles evitam que as “encoxadas” praticadas no transporte público sejam punidas como estupro.

“Deveria ser criado o crime molestamento sexual, com pena de dois a seis anos, como está previsto na reforma do Código Penal, em tramitação no Senado. Como ele ainda não existe, as autoridades hoje ‘forçam a barra’, enquadrando casos de abuso sexual como violação sexual mediante fraude e importunação, quando não o são.”

Pela lei, diz Gomes, esse tipo de violação se aplica a casos em que o suspeito mente para a vítima, passando-se por outra pessoa, para levá-la a fazer sexo ou praticar outro ato libidinoso com ele, por exemplo. “Não vejo como isso pode ocorrer no transporte público.”

Meio milhão de estupros – Cerca de 527 mil mulheres são estupradas por ano em todo o país de acordo com o estudo Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do governo federal.

A pesquisa (a mais aprofundada já realizada sobre o tema no Brasil) revela ainda que apenas 10% desses casos chegam à polícia e que “89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e adolescentes”.

O Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal) define, no seu art. 213, o crime de estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Em caso de condenação, a pena para acusados desse crime (em sua modalidade simples) varia de seis a dez anos de reclusão. Já as modalidades qualificadas (consideradas mais graves pelo legislador) de estupro preveem penas mais altas. Quando há a morte da vítima, por exemplo, a pena máxima é de 30 anos.


Redação – 9/5/2016
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