São Paulo – O número de mortes em consequência da ação de policiais militares em São Paulo aumentou no primeiro trimestre em comparação com igual período do ano passado. Entre janeiro e março, foram registradas 217 mortes causadas por integrantes da Polícia Militar, ante 187 no ano passado, aumento de 16%, segundo dados da própria Secretaria da Segurança Pública do estado governado por Geraldo Alckmin (PSDB), compilados pelo Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (Condepe).
“É um aumento considerado grande, sendo que o ano passado já se destacou pelo elevado número de casos de violência policial. Neste ano, podemos ter números ainda maiores se mantivermos essa dinâmica observada no primeiro trimestre”, disse o advogado e membro do Condepe Ariel de Castro Alves. “Os números são muito preocupantes, mas sabemos que a maioria das vítimas são jovens com menos de 30 anos e negros. A violência contra adolescentes aumentou. É como se a polícia em São Paulo estivesse com uma verdadeira licença para matar.”
São casos como o adolescente Gabriel Paiva, de 16 anos, que integrará as estatísticas do próximo trimestre. Depoimentos de testemunhas prestados nesta terça-feira 2 à polícia apontam um policial conhecido como Negão da Madeira como autor das agressões contra o jovem no domingo de Páscoa (16 de abril), que causaram sua morte quatro dias depois. O jovem foi violentamente agredido com um cabo de enxada. O crime ocorreu na Vila Joaniza, na zona sul de São Paulo.
Gabriel estava reunido com aproximadamente 30 colegas numa rua do bairro quando chegou ao local uma viatura da PM. Os jovens se dispersaram correndo. Ele foi abordado por quatro oficiais, que teriam lhe agredido, conforme relatos de moradores e colegas do jovem que visualizaram as agressões à distância. Devido ao espancamento, o adolescente bateu a cabeça numa caçamba de entulho.
“Quando eu vi o rapaz já estava no chão. Minha filha estava com a janela aberta gritando: ‘ele está matando o menino!’ Eu comecei a gritar, porque tinha visto o menino ensanguentado e ele batendo. Eu gritava: ‘pelo amor de Deus, para! Você não tem filho?’ E ele me disse: ‘vá dormir!’ Eu me coloquei no lugar da mãe desse menino... O policial continuava... Era só na cara e na cabeça até que o menino começou a ter uma convulsão e começou a sair sangue pelos ouvidos”, disse uma testemunha, que preferiu não se identificar, à TVT.
A Corregedoria da PM apura as acusações de abuso de autoridade e tortura seguida de morte. O policial está afastado. “Esse policial já veio com um pedaço de pau, sem falar nada e acertou a cabeça dele. Ele caiu no chão e bateu a cabeça, mas o policial continuou dando, tanto que o maxilar do meu filho estava quebrado. Depois ele se afastou e ligou para alguém”, diz a mãe do adolescente, Zilda Paiva. “Minha luta agora é que seja feita justiça e que esse policial pague pelo que ele fez.”
Das vítimas dos crimes cometidos por PMs no primeiro trimestre deste ano, 57 foram mortas por oficiais em folga e 160 em serviço, em supostos “confrontos”. Um deles foi o estoquista Peterson Silva de Oliveira, 18, morto com um tiro na nuca quando saía de uma festa de 15 anos no Jardim São Luís, zona sul, na madrugada de 14 de janeiro. O autor do disparo foi o PM Willian José Pinto, 27, que alegou ter reagido a disparos dados pelo jovem.
Pelo menos quatro testemunhas, no entanto, rebatem a versão do agente. De acordo com elas, naquela madrugada, uma viatura desceu a Avenida Jacobus Baldi em alta velocidade, com a iluminação e sirene desligadas. O carro freou bruscamente a 15 metros de um grupo de pelo menos 20 jovens, onde estava Peterson. Um PM teria desembarcado e jogado uma bomba na direção do grupo, que se dispersou. Um segundo artefato teria explodido no pé do policial. Irritado, o PM sacou o revólver e atirou para o alto. Em seguida, voltou-se para os rapazes que fugiam no sentido contrário, apontou a arma e fez um segundo disparo. Peterson caiu de rosto no chão, conforme apurou a Ponte Jornalismo.
“Qualquer um que conhecia o Peterson sabe que ele não era bandido, era trabalhador, detestava violência”, disse uma das testemunhas, o garçom Lucas Vinícius Oliveira, de 19 anos, ao site. “Eu vou lutar para provar a inocência do meu filho, nem que eu só faça isso até o resto da minha vida”, prometeu a mãe do jovem, Tatiana Silva, de 37 anos.
No boletim de ocorrência, registrado no 47º Distrito Policial, no Capão Redondo, os PMs afirmaram que, durante o patrulhamento, ouviram um disparo e se encaminharam até a avenida Jacobus Baldi para apurar. Lá, foram recebidos a tiros por Peterson e o soldado Willian se viu “obrigado a reagir”.
A perícia, realizada horas depois, põe em cheque a versão oficial. Peritos apreenderam ao lado do corpo um revólver modelo Taurus calibre 38 com numeração raspada e dois cartuchos deflagrados. Na arma, que comporta até seis projéteis, havia ainda quatro balas. O boletim de ocorrência não especifica quantos disparos Peterson teria feito. Pelo plural usado no relato, deduz-se que foram ao menos dois tiros – no entanto as balas não atingiram os policiais, o veículo ou imóveis próximos. Peterson teria dado três tiros usando apenas duas balas, de acordo com informações do BO.
Durante todo ano de 2016, 818 pessoas foram mortas por policiais militares: 576 em serviço e 242 de folga. “O principal motivo é a impunidade e o corporativismo nas corregedorias e na Polícia Civil, que deveria apurar esses crimes cometidos por policiais militares. Quando eles são levados a julgamento acabam absolvidos, principalmente nos tribunais do júri, porque os jurados são pessoas de classe média, profissionais liberais, funcionários públicos, meios onde muitas vezes predomina a visão que bandido bom é bandido morto”, diz Alves.
