Mais do que comercializar itens de todo o país, a terceira edição da Feira Nacional da Reforma Agrária, que começou na quinta-feira 3 em São Paulo, espera fomentar o debate sobre outro modelo de organização e produção no campo, em contraposição ao agronegócio. A matéria é da Rede Brasil Atual.
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"A sociedade também deve assumir a defesa da produção de alimentos saudáveis. Tem de ser um direito garantido a todos", diz Débora Nunes, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). "Do ponto de vista da diversidade, é talvez a maior feira do Brasil", acrescenta João Paulo Rodrigues, da direção nacional do movimento.
Até domingo 6, das 8h às 20h, aproximadamente mil agricultores estarão oferecendo 350 toneladas de alimentos e 1.100 produtos – in natura e industrializados – de assentados e acampados em 23 estados e no Distrito Federal, em uma mistura de sabores e sotaques que se espalha por galpões do Parque da Água Branca, na zona oeste paulistana.
Uma amostra de uma produção concentrada em 8 milhões de hectares pelo país. "E produzimos muito mais do que o agronegócio com seus 60 milhões de hectares, não tenho dúvida disso", diz João Paulo.
Quem for à feira encontrará, de um lado, uma área com produtos como arroz, feijão, leite, queijo, frutas, farinha, mel, doces, café, sementes, batata, cacau e mais um sem-número de itens. Boa parte da produção já é orgânica. A prioridade por alimentos saudáveis foi estabelecida no 6º Congresso do MST – em 2014, quando o movimento completou 30 anos –, o que representou "uma mudança radical", segundo João Paulo. A partir dali se iniciou um processo de reorganização da produção. "É uma feira que vem com o carimbo da agroecologia."
O país tem dois modelos, analisa o dirigente do MST: "O agronegócio, que produz commodities para exportação, e a agricultura familiar". Segundo ele, são aproximadamente 1,1 milhão de famílias assentadas no Brasil, 400 mil ligadas ao movimento, em 1.226 municípios e nos já citados 8 milhões de hectares. Por volta de 1% da área nacional nas mãos de camponeses, destaca João Paulo, ressaltando ainda a importância do evento "num momento bastante conturbado da política". "É uma forma de combinar o protesto da classe trabalhadora e uma prestação de contas à sociedade."
Diálogo contra o ódio
Os dirigentes do MST apontam retrocessos desde o impeachment de Dilma Rousseff, há quase dois anos. "Os números da reforma agrária são terríveis. Dois anos sem assentamento, só algumas áreas que já estavam programadas em 2016", lembra João Paulo. E Débora cita iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), "praticamente extinto" pelo governo Temer. A assistência técnica foi outra área atingida.
O desmonte afetou também o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que até 2016 formou 180 mil alunos. "Tem uma turma de 50 alunos para se formar em Goiás e não tem comida para eles, não tem um centavo para concluir o curso", relata João Paulo. Algumas medidas, que ele chama de "pacote de maldades", foram barradas com resistência acrescenta, como a entrega de terras para estrangeiros e a liberação de alguns transgênicos. "Nem todas eles conseguiram ganhar." A implementação da reforma da Previdência, por exemplo, seria "uma tragédia" para o trabalhador do campo, afirma o dirigente.
A desatenção com o campo também provoca aumento de violência, afirma o MST, ao destacar que desde o ano passado pelo menos 107 pessoas foram assassinadas, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra. "É uma situação alarmante", diz João Paulo, ao falar da "crise democrática" e da "onda de ódio" pelo país, para destacar novamente a importância do evento que começou nesta quinta-feira 6. "A feira vem no sentido inverso, para nós dialogarmos com a sociedade."