A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quinta-feira 23, que a homofobia e a transfobia são crimes e, na ausência de lei especifica, deverá ser equipara com o racismo. O julgamento, no entanto, ainda não se encerrou, e será retomado em 5 de junho.
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A Corte tem 11 integrantes, quatro deles já haviam votado pela criminalização na sessão anterior, em fevereiro. Na retomada, o quinto voto a favor foi de Rosa Weber e o sexto, declarado às 18h13, de Luiz Fux. O ministro salientou que, com a decisão, o STF contribuía para uma “sociedade justa e sem preconceitos”. Em seguida, a sessão foi interrompida.
Para o diretor jurídico do Sindicato, João Fukunaga, o ideal é que a criminalização da homofobia e transfobia ocorresse pela via legislativa. Porém, diante a clara omissão legislativa, o STF cumpriu a Constituição.
“Sabemos que o ideal seria que o Congresso legislasse sobre a matéria como manda a Constituição Federal, mas infelizmente o Legislativo nunca conseguiu avançar em qualquer tema ligado à promoção da cidadania das pessoas LGBT. O Brasil não pode permanecer calado diante de tantos casos de homofobia, carregamos a triste marca de ser o país que mais mata pessoas LGBT no mundo. Mesmo sem o julgamento ter terminado, com a decisão da maioria, o STF fez o Brasil dar um salto civilizatório", afirma João.
Para o dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Anderson Pirota, a decisão deve ser comemorada, mas ele lembra que o julgamento não foi encerrado e, portanto, homofobia e transfobia ainda não podem ser punidos como o é o crime de racismo.
“A decisão do Supremo se deu por conta de uma omissão do Poder Legislativo. Ou seja, o STF fez o que o Congresso está demorando a fazer. E está demorando porque boa parte da Casa desrespeita a laicidade do Estado, promovendo o preconceito, a intolerância e o desrespeito à vida. A pressão dessa bancada moralista é grande, por isso nossa mobilização tem de continuar forte até a retomada do julgamento, no dia 5”, reforça Pirota, que é coordenador do Coletivo LGBT do Sindicato.
Essa pressão foi destacada na sessão de quinta 23 pelo decano do STF, ministro Celso de Mello. Ele lembrou que, em fevereiro, um grupo de deputados federais de partidos conservadores – principalmente do PSL de Jair Bolsonaro – pediu o impeachment dos quatro ministros que já haviam votado pela criminalização.
Entenda
O que está em discussão no plenário do Supremo é se há omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. A questão é o objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e no Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin.
Portanto, na sessão de quinta, a maioria dos ministros se pronunciou por reconhecer essa omissão legislativa e por dar interpretação conforme a Constituição Federal e enquadrar atos de homofobia e de transfobia nos tipos penais previstos na legislação que define os crimes de racismo, até que o Congresso aprove lei específica sobre a matéria. Até agora, todos os seis votos proferidos tiveram esse mesmo entendimento. Faltam cinco votos, mas não há como reverter o placar favorável à criminalização.
Senado
Na primeira parte da audiência, os ministros discutiram justamente a continuidade da sessão, depois que o Senado informou ter aprovado preliminarmente, na quarta-feira 22, um projeto a respeito do assunto: um dia antes da retomada do julgamento, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou substitutivo ao projeto de lei (o PL 672) que inclui na lei anti-racismo (7.716, de 1989) a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.
O presidente da Corte, Dias Toffoli, se preparava para sugerir o adiamento, quando o decano Celso de Mello argumentou contrariamente, lembrando a reação dos deputados conservadores e criticando a “superlativa intolerância” dos parlamentares. E voltou a falar em “inércia” do Legislativo, mesmo reconhecendo, assim como outros ministros, o esforço dos parlamentares.
O decano reagiu contra o que chamou de intolerância, afirmando que o STF estava tomando decisões “compatíveis com a ordem constitucional”. Por 9 votos a 2, os ministros decidiram prosseguir o julgamento. Os votos vencidos foram do próprio Toffoli e de Marco Aurélio Mello, favoráveis a esperar a definição do Congresso.
Mobilização
Antes da sessão, o presidente do Supremo recebeu um grupo de parlamentares, a pedido do deputado David Miranda (Psol-RJ), para discutir a criminalização. Deputados e ativistas se concentraram no local, incluindo a cantora Daniela Mercury e sua esposa, Malu Verçosa. “É um momento histórico, importantíssimo para o Brasil”, disse Daniela à Mídia Ninja, lembrando que este é o país que “mais mata LGBTs” e enfatizando “o valor da liberdade, da dignidade e do respeito à Constituição”.
“O dia de ontem foi fruto da constante mobilização do movimento LGBT e daqueles que acreditam que uma sociedade menos violenta é melhor para todos. Esperamos que no dia 5, os demais ministros votem e finalmente se encerre o julgamento, confirmando a LGBTfobia como crime, algo urgente e extremamente necessário num país em que a cada 19 horas um LGBT é assassinado em nome do preconceito e do ódio”, ressalta Anderson Pirota.
“A decisão do Supremo foi correta, porque partiu do conceito de que a pessoa humana é titular de direitos fundamentais, e cabe ao Estado punir toda e qualquer violação de direitos, assim como atuar na formulação e execução de políticas públicas que promovam a cidadania das pessoas LGBT", acrescenta.