A Associação Juízes para a Democracia (AJD) divulgou nota a respeito da "reforma" da Previdência do governo de Jair Bolsonaro. De acordo com o texto, sob o mesmo argumento "falacioso" da urgência econômica que justificou a tramitação e aprovação da "reforma" trabalhista, o governo agora pretende convencer a população de que mudanças previdenciárias que corroem os pilares constitucionais da seguridade social são imprescindíveis.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
A presidenta da AJD, Laura Benda, teme uma "conjugação dramática" da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 com a nova legislação trabalhista que já repercute no atual cenário brasileiro com aumento de colocações informais no mercado de trabalho, desemprego em alta e achatamento salarial.
"Será uma conta que não fechará. As duas reformas são a principal expressão do desmonte do Estado democrático de direito", avalia, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.
Você pode conferir a entrevista a partir de 1:42:56
Leia a nota da ADJ na íntegra
A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, vem manifestar-se sobre o Projeto de Emenda Constitucional nº 06/2019, tratado como “reforma da previdência”.
Sob o mesmo argumento falacioso da “urgência econômica” que justificou a tramitação e aprovação da malfadada reforma trabalhista, o governo agora pretende convencer a população da imprescindibilidade de uma reforma que corrói os pilares constitucionais da seguridade social. Apesar de ter a alcunha de reforma, a PEC nº 06/2019 fixa as bases para a extinção do sistema de previdência previsto na carta maior.
A constituição de 1988 previu, nos artigos 194 e seguintes, um sistema solidário de proteção social de trabalhadoras/es contra os eventos que importam vulnerabilidade social como a velhice, a doença, o desemprego. O sistema de seguridade social, que inclui a saúde, previdência e assistência social, é estruturado em uma proposta de solidariedade que pretende universalizar seu acesso, o que, no caso da previdência, concretiza-se no seu tríplice custeio pelo Estado, empregados e empregadores.
A proposta de emenda constitucional, seguida de alterações legislativas, que está em trâmite atinge o cerne do sistema da seguridade social. As suas disposições dificultam o acesso das/os trabalhadoras/es aos benefícios da previdência, caminhando na contramão da proposta da universalidade do sistema; ao tempo em que os valores dos benefícios são reduzidos, deixando os trabalhadores descobertos de efetiva proteção social, são, ainda, fixadas as bases para o chamado sistema de capitalização, no qual o ônus do custeio recai exclusivamente sobre o trabalhador, pondo fim, portanto, ao sistema de solidariedade projetado na constituição.
Dentre as propostas de alteração previstas pelo governo, constam:
1. Aumento da idade de aposentadoria das trabalhadoras de 60 para 62 anos, vulnerabilizando ainda mais as mulheres quanto à proteção social do trabalho;
2. Aumento do tempo de contribuição necessário à aposentadoria por idade de 15 para 20 anos, dificultando sobremaneira o acesso ao benefício de aposentadoria, em especial considerando o alto e crescente índice de informalidade no trabalho;
3. Alteração da contagem do tempo de contribuição para considerar somente a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima da categoria, prejudicando novamente os trabalhadores da informalidade e aqueles submetidos ao novo e precarizado contrato intermitente de trabalho;
4. Vedação da conversão do tempo de trabalho especial, aquele em condições que são danosas a saúde do trabalhador, em tempo comum, de forma que estes trabalhadores serão prejudicados quando deixem de trabalhar sobre essas condições, uma vez que não poderão aproveitar o acréscimo do tempo especial no cálculo para a aposentadoria;
5. Previsão do “gatilho etário” que aumenta automaticamente a idade para aposentadoria sempre que aumente a expectativa de sobrevida da população, sem, todavia, prever um decréscimo quanto houver redução desta expectativa;
6. Alteração da fórmula de cálculo do salário de beneficio que deixará de considerar a média dos 80% maiores salários de contribuição para considerar 100% dos salários de contribuição, o que reduz o valor do benefício, uma vez que os menores salários fazem o valor médio decair.
7. Alteração do cálculo da renda mensal inicial tanto para aposentadoria quanto para as pensões para 60% do valor do salário de benefício somado a 2% para cada ano que exceda os 20 anos de contribuição, sendo que na forma de cálculo atual as/os trabalhadoras/es partiam com 85% do valor do salário de beneficio somado a mais 1% por ano de contribuição que excedesse aos 15 anos necessários;
8. Estabelece a possibilidade de incluir por lei exceções à contribuições dos empregadores, abrindo caminho para o regime de capitalização, que onera exclusivamente os trabalhadores e , na prática, torna impossível a sustentabilidade do regime público da previdência, fortalecendo o mercado financeiro da previdência privada;
9. Obrigatoriedade de contribuição anual para trabalhadores rurais pelo período de 20 anos, em oposição à regulamentação atual na qual as/os trabalhadoras/es do campo apenas comprovam o trabalho
10. Redução do valor do Beneficio de Prestação Continuada na idade entre os 65 e 70 anos para o valor de R$ 400,00. Nesta proposta, o benefício passaria a ser pago aos 60 anos, mas não em seu valor integral, que só passaria a ser pago na integridade aos 70 anos, idade superior à expectativa de vida em muitas regiões do país.
Os termos técnicos e cálculos típicos da legislação previdenciária, por vezes, dificultam o entendimento da população quanto às reais alterações que estão sendo promovidas, mas, uma vez explicadas, fica evidente que a chamada reforma da previdência não tem como principal objetivo “acabar com os privilégios” como sustenta o governo. Ela atinge, principalmente, as /os trabalhadoras/es de baixa renda, com vínculos de emprego precarizados e informais.
As especiais prejudicadas pela “reforma da previdência” são as trabalhadoras mulheres, que além de terem a idade de aposentadoria aumentada, deixando de levar em consideração as estatísticas que mostram a sua sobrecarga de trabalho em razão da tripla jornada ( trabalho, casa e filhos), são mais afetadas por todas as demais disposições, uma vez que ocupam em maior número os postos mais precarizados e informais de trabalho.
O golpe final ao sistema da seguridade social é a sua “desconstitucionalização”. A PEC 06/2019 retira da Constituição Federal matérias relacionadas ao regulamento da seguridade e da previdência, de forma que futuras alterações possam ser feitas de maneira facilitada pelo congresso, não mais necessitando das formalidades de aprovacão de emenda constitucional e seu quorum qualificado para subtrair ainda mais direitos das/dos trabalhadores.
Por essas razões, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) manifesta seu total repúdio à proposta de emenda constitucional nº 06/2019 , reafirmando seu compromisso com valores sociais constitucionais e pela defesa do regime de solidariedade da Seguridade Social, ao tempo que se une aos demais setores progressistas na luta contra sua aprovação.
São Paulo, 06 de maio de 2019.