O projeto Chega de Trabalho Infantil, da organização Cidade Escola Aprendiz, elaborou um guia com estratégias de prevenção e erradicação dessa prática na cidade de São Paulo. A publicação é apoiada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA-SP), e foi lançada na segunda-feira em São Paulo, antecipando as ações do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, celebrado na quarta 12.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
No guia, são apresentadas recomendações para a atuação de cada um dos atores da rede de proteção, como assistentes sociais, agentes comunitários de saúde, educadores, conselheiros tutelares. Entre as boas práticas sugeridas, estão a articulação intersetorial e o envolvimento da comunidade no combate ao trabalho infantil, além da capacitação de recursos humanos e a realização de campanhas para sensibilizar o conjunto da sociedade.
O guia também traz estatísticas sobre o trabalho infantil, em São Paulo. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, o país tem cerca de 2,4 milhões de crianças e adolescentes em condições ilegais de trabalho. Nos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo, os casos alcançam 198 mil na faixa etária de 5 a 17 anos.
No Brasil, como em diversos países do mundo, nenhum tipo de trabalho pode ser exercido por crianças de zero a 13 anos. A partir dos 14, o adolescente pode atuar na função de aprendiz, sob contrato específico, com uma série de restrições – como carga horária compatível com a frequência escolar –, que prevê a iniciação prática e teórica numa determinada profissão. A partir dos 16 anos, o trabalho passa a ser permitido, desde que não seja noturno, insalubre ou exponha o adolescente a condições física ou moralmente degradantes, como violência, exploração sexual, aliciamento pelo tráfico, entre outras.
No lançamento, realizado na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o jornalista Felipe Tau, que participou da elaboração do projeto, lembra que trabalho infantil não é um “conceito abstrato”, mas uma grave violação dos direitos humanos. A meta é acabar com esse tipo de prática, no país, até 2025.
Herança cultural
A autora do guia, a socióloga Luciana Silveira, destacou “mitos” presentes na sociedade que consideram o trabalho infantil “um problema menor” ou uma “parte inevitável” da paisagem urbana nas grandes cidades. Frases como “melhor trabalhando do que o dia inteiro na rua”, “começa brincando de empinar pipa e depois está usando droga” e “trabalho de criança é pouco, quem dispensa é louco”, ainda fazem parte do ideário de famílias e empregadores, e contribuem para que crianças e adolescentes ainda sejam explorados e tendo sua formação e sua preparação para a vida adulta comprometidas. Por trás dessas afirmações está uma ideia deturpada da importância do trabalho precoce na formação do caráter do indivíduo.
É também uma “herança”, que leva de três a quatro gerações para ser dirimida dentro de uma família. Em cenário de crise econômica, mães com baixo nível de escolaridade enfrentam maiores dificuldades para evitar que seus filhos ingressem ilegalmente no mercado de trabalho. “Há políticas de inclusão, mas há também discriminações e impossibilidades reais dessas mães em conciliar a vida pessoal, profissional e familiar.”
Atraso
A coordenadora do curso de Sociologia e Política da faculdade, Carla Regina Mota Alonso Diéguez, ressaltou que o trabalho infantil tem “classe e cor”, já que mais de 60% das crianças e adolescentes que trabalham ilegalmente são negras. “O trabalho infantil é ilegal, e indigno. E a sua erradicação é um dos pilares do conceito do trabalho decente. São milhões que tem não apenas seus direitos violados, mas negados. Crianças que possivelmente não conseguem alcançar a educação, e que não têm o direito de ser aquilo que elas são.”
Já a procuradora do Trabalho Elisiane dos Santos, coordenadora do Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FPPETI), lembra que o início do combate ao trabalho infantil, no Brasil, se confunde com o combate ao trabalho escravo, quando grupos de fiscais identificavam menores trabalhando nas condições mais perversas e degradantes possíveis. Esse trabalho de fiscalização é realizado por grupos servidores que do então Ministério do Trabalho, criado pelo governo Getúlio Vargas, em 1930, e rebaixado ao status de secretaria pelo atual governo Bolsonaro, o que leva a temores de retrocesso. “Para onde estamos caminhando? Ou para onde estamos retornando?”, questionou.