São Paulo – O imbróglio envolvendo a posse da ministra nomeada do Trabalho, Cristiane Brasil, mostra um governo refém do Congresso e perda de protagonismo da pasta, avalia o ex-ministro Ricardo Berzoini. Para eles, as mudanças implementadas pelo atual governo evidenciam descompromisso com a área social e vínculo com o poder econômico.
O fim do Ministério da Previdência, por exemplo, é sinal da visão do governo Temer em relação ao tema, como um assunto econômico-financeiro, estritamente. A Previdência tornou-se uma secretaria vinculada à Fazenda.
No caso do Trabalho, Temer nomeou em 2016 Ronaldo Nogueira, o que só aconteceu, avalia Berzoini, para cumprir compromisso com Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), o "relator das pedaladas", como define o ex-ministro. Com a saída de Nogueira, que é deputado federal pelo PTB-RS, abriu-se vaga na Câmara para o suplente Cajar Nardes (então no PR, agora no Pode-RS), irmão do integrante do TCU, relator do processo contra Dilma Rousseff em 2014.
"Tivemos um ministério enfraquecido e um ministro fraco, comprometido com a 'reforma' trabalhista", diz Berzoini. Agora, acrescenta, há um governo "refém de Roberto Jefferson e de outras figuras no Congresso". O ex-deputado Jefferson, presidente nacional do PTB, é pai de Cristiane Brasil.
O projeto de "reforma" da legislação trabalhista enviado por Nogueira ao Congresso foi desfigurado pelo relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), o que causou mal-estar no ministério. Mas foi mantido na íntegra. Na gestão de Nogueira também foi editada uma nova portaria sobre trabalho escravo, mudando a conceituação do tema. Com a repercussão negativa, o governo recuou. "A portaria era uma reivindicação antiga da bancada ruralista", observa Berzoini, lembrando que ele mesmo, como ministro, sofreu pressões de entidades empresariais "iradas" com a fiscalização.
Titular do Trabalho de janeiro de 2004 a julho de 2005, no primeiro mandato de Lula, Berzoini lembra que a pasta coordenou, naquele período, atividades como o Fórum Nacional do Trabalho, ampliou a fiscalização contra os trabalhos escravo e infantil e comandou um processo de melhoria dos planos de qualificação profissional. Com Dilma, veio o Pronatec (programa de ensino técnico), por exemplo.
"Houve um momento em que o Ministério do Trabalho teve um papel fundamental. É um ministério historicamente forte, claro que sempre com dificuldades orçamentárias, limitações estruturais", observa.
Sobre o caso de Cristiane Brasil, ele vê um episódio de difícil solução por parte do governo, que cogita recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a posse. Berzoini recorda que o STF barrou a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Casa Civil, ainda no governo Dilma, uma decisão que ele considera subjetiva. "No caso dela (Cristiane), tem uma incompatibilidade flagrante com o cargo", afirma.
Ele considera que o governo terá dificuldades para aprovar no Congresso a "reforma" da Previdência, por se tratar de ano eleitoral. "Mas temos de ficar atentos", emendou. "O mercado financeiro tem muito interesse."
Vários nomes - A pasta foi criada no final de 1930 por Getúlio Vargas, com o nome de Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Teve como primeiro ministro Lindolfo Collor, pai do senador Fernando Collor de Mello. Em 1960, passou a ser Ministério do Trabalho e Previdência Social, em 1974 ficou só "Trabalho" e em 1992, com Itamar Fraco, virou Trabalho e Administração Federal. Com Fernando Henrique, em 1999, tornou-se Trabalho e Emprego, mais tarde voltou a ser Trabalho e Previdência e agora novamente perdeu a segunda parte do nome.
Em entrevista à Agência Sindical, João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, afirmou que a tentativa de esvaziamento da pasta não vem de hoje. "A forma como fazem, indicando políticos menores ou metidos na corrupção, agride a história do ministério e a própria classe trabalhadora. No caso da atual indicada, nem questiono que sofra ação trabalhista. Mais grave é que apoiou o golpe contra Dilma, votou pela reforma trabalhista e se compromete com o desmonte do ministério e das conquistas", afirmou.
Entre 1953 e 1954, Jango foi ministro do Trabalho, durante o governo Vargas. "Com Jango, a pasta teve uma profunda mudança. Não só passou a ser do Trabalho, mas, graças à abertura para as entidades sindicais, se transformou no ministério dos trabalhadores", diz João Vicente, lembrando do episódio de reajuste de 100% no salário mínimo em 1954. "A bem da verdade, Getúlio não demitiu Jango da pasta. Jango, pra poupar o governo de mais pressões, se desligou do ministério. Observe que logo depois de sua saída, Getúlio lhe entregou a presidência do PTB."
Um partido bem diferente do atual, acrescenta. "Desde que roubaram de Brizola o PTB, fazem de tudo para que o partido sirva ao capital e aos conchavos pra saquear o Brasil. É chocante que um condenado como o pai dessa moça venha a ter entrada livre e força no governo."