O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos nesta segunda-feira 13. Depois de uma fase de avanços no combate ao trabalho infantil, na assistência às famílias pobres e na escolarização – nos primeiros 15 anos deste século –, os direitos dessa parcela frágil da população voltam a sofrer um desmonte. A exclusão de milhões de beneficiários do programa Bolsa Família e o aumento do desemprego nos últimos cinco anos voltaram a aumentar a exposição da infância e da adolescência brasileira à violência e ao trabalho.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
De acordo com levantamento divulgado em maio, apenas 41% das crianças e adolescentes ou sua família recebiam algum tipo de benefício social, 45% trabalhavam para contribuir com seu sustento e de suas famílias, e 85% afirmaram já terem sido vítimas de violência. A pesquisa foi feita pela Associação Beneficente O Pequeno Nazareno e pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foram ouvidas 554 crianças e adolescentes em situação de rua em 17 cidades com mais de 1 milhão de habitantes.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, são necessários serviços e programas de enfrentamento ao trabalho infantil vinculados à educação em período integral com bolsas de estudos e renda básica para as famílias. “E também centros de referência para atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica que faz com que muitos deixem seus lares”, diz o advogado. Ariel é conhecido por sua atuação com as populações vulneráveis e foi membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Crianças na rua
Segundo Ariel, não há o que comemorar nesses 30 anos do ECA, uma legislação criada para garantir os direitos a todas as crianças e adolescentes. “Avanços gerados pelo ECA, como a diminuição do trabalho e da mortalidade infantil estão em xeque no contexto atual. Houve desestruturação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e dos programas de escola de tempo integral, fundamentais para o enfrentamento da exploração do trabalho infantil e da situação de rua”, critica o advogado.
E a situação tende a piorar, avalia. “Com a pandemia do novo coronavírus, a crise social e econômica, com mais desemprego e subemprego dos pais, mães e responsáveis – e as muitas mortes – leva a um número crescente de órfãos e de crianças e adolescentes nas ruas.”
Pesquisa
Realizada em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Belém, Goiânia, Guarulhos, Campinas, São Luís, São Gonçalo e Maceió, a pesquisa reflete uma realidade das grandes capitais e regiões metropolitanas que não é de hoje.
O estudo apontou a insuficiência de serviços de acolhimento para essas crianças e adolescentes. Mostrou também que há desafios enfrentados por crianças e adolescentes em situação de rua e pelos profissionais que os atendem. Como o racismo estrutural, o trabalho precoce, a baixa escolaridade, a violência nas ruas e no âmbito familiar e os limites da rede de proteção.
Perfil da criança e do adolescente em situação de rua, aos 30 anos do ECA
- 73% sexo masculino
- 73% adolescentes
- 86% negros ou pardos
- 8% com filhos
- 62% frequentando escola
- 71% já dormiram na rua
- 96% tinham pelo menos um documento
- 48% faziam atividades físicas
- 62% tinham contato diário ou semanal com a família
- 54% tinham um relacionamento bom ou muito bom com os pais
- 64% já experimentaram ou fizeram uso de drogas e
- 41% declararam ainda usar
- 62% já passaram por instituições de acolhimento
- 61% afirmaram manter relações sexuais com pessoas do sexo oposto
- 58% costumam usar métodos contraceptivos
- 9% já sofreram algum aborto
- 32% admitiram se considerar em situação de rua