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Estatuto da Igualdade Racial completa 5 anos

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Em 65 artigos, a Lei 12.288/2010 abrange diversas áreas como cultura, esporte, saúde, moradia, religião e comunicação com desafio de equiparar direitos e superar o racismo
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Brasília - O Estatuto da Igualdade Racial completa cinco anos de vigência nesta segunda-feira 20. Em 65 artigos, a Lei 12.288/2010 abrange diversas áreas como cultura, esporte, saúde, moradia, religião e comunicação com desafio de equiparar direitos e superar o racismo.

O professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro Thomaz Pereira explica que projeto de lei surge a partir da demanda da sociedade, dos movimentos sociais, em um contexto em que diversas medidas vinham sendo tomadas para promover a igualdade racial. Entre elas a adoção das cotas raciais. "O estatuto é quase como se fosse uma mini Constituição no sentido de representar e de unir em um documento só medidas diferentes." explica. Ele acrescenta que para a norma ser efetivada é preciso atuação de órgãos públicos e do setor privado.

Os negros são, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, mais da metade da população brasileira, 52,9% – soma daqueles que se declaram pretos e pardos. Porém, a proporção não se mantém em setores importantes da sociedade, como a Câmara dos Deputados, onde quase 80% dos deputados se declararam brancos, ou espaços acadêmicos, onde de um total de 387,4 mil pós-graduandos, 112 mil são negros.

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Outro grande foco de discriminação esá na religião. Embora sejam praticadas por 0,3% da população, as de matriz africana representam 35% das 213 denúncias que chegaram o Dique 100 entre 2011 e 2014 - tempo total de existência do canal - e informaram a religião atacada. "Eu perdi minha vida, minha paz, minha tranquilidade, meu conforto, meu porto seguro. A residência é um local sagrado, é um espaço onde estou todos os dias. Perdi minha liberdade de ir e vir, vivo aflito, oprimido e perturbado com essa situação", diz o pai de santo Sumbunanji de Kavungo, alvo de agressões e ameaças em Recife.

"O preconceito religioso é real, há discriminação religiosa, mas há de se considerar a questão racial como processo que ainda vigora no Brasil em relação a pretos e pardos", analisa o coordenador de Segurança, Cidadania e Direitos Humanos, da SDH, Alexandre Brasil. "O Disque 100 é um instrumento recente no Brasil e não representa todos os casos de violação. Os dados são importantes para reconhecer e identificar as violações. Eles mostram a presença de discriminação maior em relação às religiões afro-brasileiras. Isso provavelmente é muito associado a questões de racismo e mesmo à história da sociedade brasileira de negação dessa tradição religiosa", acrescenta.

Em segundo lugar no ranking da SDH, com 27% das denúncias, estão os evangélicos, que, segundo o Censo, são 22,2% da população. "A religião que tem mais negros e pardos é a evangélica, em termos quantitativos. E é uma religião muito presente entre os setores mais pobres e entre a população negra", diz. "A intolerância religiosa pode ser entendida como a extrapolação de uma intolerância maior existente no país, relacionada ao racismo, à pobreza e à desigualdade social."

Reforma - O diretor executivo da organização não governamental (ONG) Educafro, frei David Santos, defende uma reforma do estatuto. Segundo ele, as mudanças feitas durante a tramitação da lei no Congresso Nacional enfraqueceram o dispositivo. "Estamos procurando deputados de vários partidos que possam ajudar na composição de equipe pluripartidária."

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto que deu origem à lei, uma reforma seria retrocesso. "O estatuto não é uma lei perfeita, mas não dá para usar a desculpa de que teve esse ou aquele veto para enfraquecer uma conquista do povo brasileiro", diz. Perguntado se, em cinco anos, o estatuto cumpre seu papel, Paim diz: "São dezenas de artigos e cada um cria uma lei. Até que seja implementado, leva tempo. Mas acho que tem ajudado".

Concursos públicos - Em vigor desde 9 de junho do ano passado, a Lei 12.990, que reserva 20% das vagas em concursos da administração pública federal para candidatos negros, completou um ano e um mês em meio a dificuldades na aplicação. A norma expira em dez anos e seu objetivo é tornar o ambiente da administração pública federal mais igualitário.

Este ano, pelo menos três da administração federal estão sendo questionados na Justiça pela forma de cálculo. Em dois deles na prática não houve reserva e, no outro, dois eliminados questionam a entrada de uma cotista.

O presidente da Educafro, frei David de Castro, explica que "em cada local, estão aplicando a lei de um jeito”. Ele revela também uso abusivo da autodeclaração. Se for provado que o candidato mentiu, ele está sujeito a ser exonerado. David defende mais rigor. “Uma proposta nossa é que a pessoa, para ter acesso às cotas, prove que o pai ou a mãe é negra, mesmo sendo pardo. Assim, sai do subjetivo”.

O reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, é a favor de uma solução com força de lei. “Acho que nós temos que ter o cuidado de criar um critério unificador, que impeça interpretações particulares. Eu gostaria que tivesse um decreto regulamentando”.

O governo federal reconhece que há problemas na autodeclaração, mas não tem planos de editar um decreto regulamentando a Lei 12.990. De acordo com Ronaldo Barros, secretário de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), já foi divulgada uma nota técnica prevendo a possibilidade de um comissão de verificação.

O secretário de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Genildo Lins, acha a lei “bem clara”, mas, mesmo assim disse que o órgão trabalha em uma orientação normativa para resolver as dúvidas das organizadoras de concursos públicos.


Mariana Tokarnia e Mariana Branco, da Agência Brasil, com edição da Redação - 20/7/2015

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