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TRF tira veto do INSS a agricultora por ser mulher

Linha fina
Depois de primeira instância da Justiça de Santa Catarina negar benefício, afirmando que mulheres exercem "atividades mais leves", desembargadores do TRF classificaram sentença como "preconceituosa"
Imagem Destaque
São Paulo – O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região reverteu uma decisão da primeira instância da Justiça de Santa Catarina que negou, em 2004, pedido de auxílio-doença de Doralina Hart, trabalhadora rural, argumentando que, por ser mulher, exercia “atividade mais leve”. Na sexta-feira 22, os desembargadores do TRF consideraram a decisão anterior preconceituosa.

A mulher sofre de espondilose e osteoartrite, quadro clínico que causa fortes dores lombares e cervicais. Mesmo com atestado médico afirmando que ela não teria condições de fazer esforços na coluna, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) negou o auxílio-doença. Ao recorrer à Justiça, um perito convocado pela magistratura concluiu que ela poderia trabalhar em suas funções desde que tomasse medicações para a dor e “se posicionasse o mais ergonomicamente correto o possível”.

“No caso, a restrição de labor apontado pelo perito, além de preconceituosa com a segurada mulher, por via indireta, comprova a incapacidade temporária. Primeiro, porque não há como distinguir atividades leves femininas no campo, face a impossibilidade de distinção de tarefas pelo sexo ou gênero”, afirma relatório do desembargador João Batista Pinto Silveira.

“Rejeita-se o menosprezo e a inferiorização do trabalho rural feminino em comparação ao masculino, percepção que contraria tanto a realidade sociológica devidamente documentada, quanto a proibição da discriminação por sexo e por gênero”, continuou Silveira, ao proferir seu voto. Além de o INSS ser obrigado a pagar o seguro, deverá reaver os valores retroativamente com juros e correção monetária no prazo de 45 dias.

Problema cultural - Para a secretária nacional da mulher trabalhadora da CUT, Junéia Martins Batista, o tipo de sentença proferida pela primeira instância revela características da cultura brasileira. “É lamentável volta e meia se deparar com este tipo de caso e não temos como falar sobre uma decisão como esta sem fazer uma correlação com a situação das mulheres no país”, disse.

“É a realidade do Brasil. Vivemos em uma sociedade muito conservadora e muito machista. O que vivemos, em relação ao impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) tem a ver também com esta cultura machista e colonialista com que nos deparamos. Ela está sendo impedida de exercer seu mandato, que foi legitimado pelos votos. O problema também passa pelo delegado de polícia no Rio de Janeiro, que falou sobre o caso do estupro coletivo que a menina sabia o que estava fazendo”, disse em referência ao caso em que 33 homens violentaram uma jovem de 16 anos em maio.

Junéia afirma se recordar de outras situações semelhantes, incluindo uma pessoal: “Lembro de vários casos, de quanto o Judiciário tem errado nas sentenças, condenando duas vezes as mulheres – que já tem uma jornada doméstica estafante, trabalhando 25 horas a mais do que os homens de acordo com estudos. Pode parecer estranho, mas em 2010, quando pedi pensão de alimentos para meu filho, uma juíza mulher disse que não ia dar o valor integral, porque ele, meu ex-marido, precisava refazer a vida dele, mesmo ele ganhando muito mais do que eu”.

A decisão, partindo de uma mulher, chamou a atenção da sindicalista. “Hoje, nos tribunais do país, as mulheres têm conseguido passar nos concursos públicos. Temos mais mulheres juízas hoje, não digo que tenha mais, mas tem muitas. Mas não significa que tenhamos mulheres progressistas, que tenham um olhar feminista dentro do Judiciário. Então, a cultura brasileira se reflete no Judiciário.”

Para Junéia, a mudança está na alteração dos padrões culturais machistas presentes na sociedade brasileira. “Precisamos ampliar o debate, colocar nas ruas, para rechaçar esse tipo de comportamento, como o da primeira instância de Santa Catarina. Precisamos alterar a cultura através da educação, e uma educação transformadora e não colonizadora como a que temos, muito menos se passarem projetos terríveis como o do Escola sem Partido”, disse em referência a propostas que tramitam em Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e também no Congresso, que vedam o ensino de "conteúdo que possa estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais e responsáveis".


Gabriel Valery, da Rede Brasil Atual, com informações do TRF 4ª Região e do Consultor Jurídico - 28/7/2016
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