Brasília - A porta de entrada para a militância de mulheres negras contra o racismo tem sido, em muitos casos, o cuidado com a estética, tema de debate na quarta 27 no Festival Latinidades, que vai até domingo 31, em Brasília. O evento já se consolidou como o maior festival de mulheres negras da América Latina.
A secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Djamila Ribeiro, disse que assumir a estética negra, com seus traços, textura capilar e cor da pele, tem deixado de ser motivo de opressão e se tornado sinônimo de resistência para as mulheres negras. Segundo ela, o debate sobre beleza é importante e não pode ser desqualificado nem considerado menos relevante na discussão da questão racial.
“Temos que ter cuidado [com o debate sobre a questão estética] e não precisa destruir a narrativa. O colonizador já fez isso, a gente não precisa fazer entre nós”, avalia. “Precisamos ter mais generosidade, precisamos existir, coexistir entre nós. A estética é política. O fato da garota pautar estética não significa que ela está longe da questão política.”
Participante do festival, a professora de português e literatura Gabriela Porfírio reforça a argumentação da estética como instrumento de autoaceitação, de resistência, de empoderamento feminino negro. “A primeira coisa que se mostra é o seu físico e depois a gente vai entendendo que o empoderamento vai além da estética e não rebaixa isso a um outro nível. O cabelo trançado, brinco étnico, roupa colorida é resistência, é a internalização dessa resistência. É uma importante porta de entrada para a militância.”
Integrante do Grupo de Estudos Mulheres Negras (Gesta), a antropóloga Denise Cruz ressalta o que o cabelo das mulheres negras tem um significado amplo, que representa desde status, poder e força à dor causada pelo preconceito racial e os estereótipos construídos ao longo dos anos.
“[Assumir o cabelo crespo] é um movimento global. As mulheres estão usando seu cabelo na textura crespa no mundo inteiro. O tema do cabelo é um tema negro e é um desafio para o lugar onde estou [na Academia]”, disse. A antropóloga estuda técnicas corporais no universo da beleza feminina em Maputo, capital de Moçambique. A pesquisa investiga como as marcas corporais, cabelos, roupas e objetos compõem a estética da mulher africana.
Além da afirmação da beleza negra, a música também foi citada durante o debate como instrumento de resistência e combate ao racismo. “A música é o mais alto que podemos gritar. Nós atravessamos o período em que não servíamos para nada. A gente se impôs nos nossos direitos e criamos o nosso próprio ritmo”, disse o ator sul-africano Hendi Mpya ao descrever como seu país tem superado as marcas do aparthaid, segregação racial entre brancos e negros que vigorou por 46 anos (1948-1994).
Festival - A programação do Latinidades, disponível no site www.afrolatinas.com.br, inclui debates, conferências, lançamentos de livros, oficinas, cinema, feiras e shows, entre outras atividades. O festival traz ainda uma exposição de fotos que retrata quilombolas de várias regiões do país e de diferentes faixas etárias que, em 18 de novembro de 2015, participaram, em Brasília, da Marcha das Mulheres Negras – Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem-Viver, evento que reuniu representantes das mais de 3 mil comunidades quilombolas.
Na programação musical do Latinidades estão as artistas Tati Quebra Barraco, MC Carol, Pretas Sonoras e DJs da festa Batekoo, de Salvador. Também estão entre os destaques a saxofonista norte-americana Hope Clayburn e a cantora nigeriana Veronny Okwei Odili. O festival ainda tem atrações para crianças no Espaço Infantil, com brincadeiras, roda de conversa e bailinho.
Organizado pelo Instituto Afrolatinas, o evento deste ano tem a parceria das Nações Unidas no Brasil e patrocínio do governo do Distrito Federal.
Heloisa Cristaldo, da Agência Brasil - 28/7/2016
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Tema estará em debate no Festival Latinidades, de 27 a 31 de julho, o maior de mulheres negras da AL
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