O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está cancelando desapropriações de terras para reforma agrária sem embasar as decisões em estudos técnicos ou financeiros. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF) determinou que o órgão revogue as resoluções publicadas nesse sentido e deixe de publicar qualquer outras até que sejam realizados estudos de impacto humano e financeiro das desistências. Em muitos casos, já foram gastos milhões de reais em depósitos judiciais e processos administrativos.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
A PFDC ressaltou que as resoluções afetam, na maioria dos casos, situações há muito tempo consolidadas e geram insegurança jurídica para milhares de famílias no campo que vivem dessas terras. Além disso, a atuação do Incra desconsiderou o efeito conflitivo que tais resoluções podem acarretar, podendo levar à paralisação da política de reforma agrária nos imóveis mencionados. A procuradoria ainda aponta para a gravidade dos fatos, indicando que os diretores do Incra podem incorrer em crime de responsabilidade.
“As medidas administrativas devem levar em consideração os impactos que acarretarão sobre cada grupo de pessoas, com especial atenção sobre a população vulnerável que será beneficiada pela política. Essas resoluções também vêm desacompanhadas de qualquer diálogo prévio com as comunidades afetadas e não apontam qualquer medida efetiva para o cumprimento dos artigos 184 e 186 da Constituição, que tratam da função social da propriedade”, diz a procuradoria.
Terras improdutivas
As terras que estão tendo a desapropriação cancelada eram áreas improdutivas. Algumas aguardam há anos pela destinação final. O Incra tem alegado apenas que o processo está sendo muito longo ou que não há verba para concluir o processo. “Essas resoluções vêm sendo publicadas ou gestadas sem fundamentação técnica ou atenção às etapas já realizadas, ignorando os recursos despendidos e a realidade dos potenciais beneficiários da reforma agrária, e limitando-se a afirmar genericamente a indisponibilidade orçamentária ou a demora na solução da demanda”, afirma a PFDC.
Entre as terras que estão tendo o processo cancelado – o que significa que seriam devolvidas aos antigos proprietários – estão a fazenda Mandaguari, com cerca de 17 mil hectares, localizada nos municípios de Porto dos Gaúchos e Tabaporã, no estado de Mato Grosso. Ela foi reconhecida como propriedade improdutiva em 2010. Quase 500 famílias de trabalhadores rurais esperam há 17 anos para criar um assentamento no local – dos quais oito anos passaram acampados.
No último dia 13, o Incra também arquivou processo administrativo referente à desapropriação da Fazenda Macaé, no município de Andradina, em São Paulo, com base na alegada falta de verbas. Famílias sem-terra ocuparam o local várias vezes desde o início dos anos 2000. Em 2002 o Incra já havia reconhecido o local como terra improdutiva.
“Há, no caso, uma violação do princípio da proteção da confiança, uma vez que, transcorridas as etapas da desapropriação, os potenciais beneficiários da reforma agrária nutrem expectativas legítimas de que serão atendidos pela política pública”, destacou a procuradoria.