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Debate sobre África lota auditório do Sindicato

Linha fina
Evento promovido em parceria com Instituto Lula e participação do historiador Luiz Felipe de Alencastro esclarece história sobre tráfico de escravos para o Brasil e ação da elite no enraizamento do racismo
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São Paulo – Como funcionava o tráfico de negros da África para o Brasil? Qual região concentrava o maior número de escravos? Qual a relação desse período com os fundamentos da elite atual e como o racismo persiste com tanta força no país? Todas essas questões foram debatidas em noite memorável na quarta-feira 4, na sede do Sindicato.

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A aula sobre África foi ministrada pelo professor Luiz Felipe de Alencastro (foto), da Universidade de Sorbonne (Paris) e da Fundação Getúlio Vargas, em evento promovido pelo Instituto Lula em parceria com o Sindicato. O debate foi o primeiro do ciclo “Conversas sobre África”, organizado pelo Instituto Lula com parceiros. Também participaram da mesa Clara Ant, diretora da Iniciativa África do Instituto Lula, Juvandia Moreira, presidenta do Sindicato, e Celso Marcondes, coordenador-executivo da Iniciativa África.

O ex-presidente Lula impulsionou a criação da Cúpula América do Sul-África (ASA); a instalação de um escritório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) em Gana; da fábrica de antirretrovirais em Moçambique; de uma fazenda-modelo para a produção de algodão no Mali e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), com metade das vagas para alunos africanos. O governo Dilma Rousseff dá continuidade a esta política para fortalecer ainda mais as relações entre o Brasil e a África.

Há um imenso potencial para ampliação da cooperação em políticas públicas para combate à fome e à pobreza, comércio de bens e serviços, e investimentos em infraestrutura. O Brasil tem – e pode compartilhar – tecnologia em agricultura tropical, geração de energia, biocombustíveis e experiência em programas sociais.

Colonização Africana - Alencastro apresentou aos convidados informações sobre o Brasil colonizado pelos africanos. O professor apontou que 4,8 milhões de africanos foram trazidos para o país em navios negreiros, número oito vezes maior que o de portugueses no país. Hoje, mais da metade dos brasileiros se declaram negros (Censo 2010). “O Brasil não é um país de colonização europeia, mas africana e europeia. Isso faz toda a diferença.” Segundo ele, o Brasil de hoje é o país com mais afrodescendentes fora da África.

“Praticamente 95% dos navios negreiros que chegaram com africanos ao Brasil partiram do Brasil”, comentou, ao desmontar o mito do tráfico triangular estudado nas escolas, segundo o qual os africanos eram uma mercadoria que fazia parte de uma troca de produtos entre Europa, África e as Américas.

Calcula-se que nas 15.850 viagens negreiras, saíram da África 5,5 milhões de seres humanos e 4,8 milhões chegaram ao Brasil. Alencastro destacou que uma logística impressionante sustentava uma rede dessa dimensão, que reunia grandes empresas, banqueiros e o governo. Segundo o professor, nenhuma outra nação fez incursões tão interiores na África como os portugueses em Angola. Nessas batalhas de captura de escravos, participaram muitos soldados nascidos no Brasil e acostumados aos trópicos, muitos deles caboclos e mestiços. “O Rio de Janeiro é o maior porto negreiro das Américas e Luanda o maior porto negreiro da África. Duas cidades de língua portuguesa. Isso não é acaso.”

Branquitude, comunicação e bancos – O professor comparou o trabalho compulsório de índios e negros durante a colonização do país ao trabalho escravo da atualidade, flagrado frequentemente pelo Ministério do Trabalho, e ainda citou ligações de bancos brasileiros como o Banco Mauá, criado em 1808 quando a família real chegou ao Brasil, com as raízes da rede negreira, uma vez que o financiamento do tráfico de escravos passava pelos bancos, já que os negros africanos eram comercializados, como coisas.

Bancários e outros participantes reforçaram durante o evento que instituições financeiras brasileiras ignoram a história e valorização dos negros no país. Um exemplo citado foi o caso da Caixa Federal de 2011, que após reclamações na internet e de uma queixa formal da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir-PR), suspendeu a campanha publicitária sobre os 150 anos do banco com um ator branco interpretando Machado de Assis.

Para Alencastro, esse tipo de interferência “faz parte da consciência cívica e de como os movimentos negros se afirmam” e que tais cobranças resultam em um processo de fortalecimento da democracia no Brasil. O professor ainda destacou: “Sou a favor das cotas porque é bom para a democracia, para haver representatividade da principal comunidade que integra o Brasil”. Ele destacou que “o conhecimento deve vir armado de luta política”, referindo-se à força e organização que movimentos negros devem ter e a importância de especialistas se especializarem no continente africano.

Juvandia Moreira ressaltou que a reivindicação de cotas de negros nos bancos é uma reivindicação da categoria por conta da falta de igualdade nos quadros de funcionários.

Trabalho com a África - Nesse sentido, Celso Marcondes destacou: “A escravidão é a principal marca negativa da nossa história e justifica muitas dificuldades de hoje, como o preconceito e a pobreza. Nós [brasileiros] temos profunda ignorância sobre a África”. E esse foi o objetivo da aula, disseminar conhecimento sobre o continente africano e sua relação com o Brasil.

Clara Ant lembrou que o governo Lula mudou a prioridade da política externa brasileira e trabalhou para ampliar as relações entre o Brasil e os países africanos. Durante seu mandato, 33 viagens presidenciais foram feitas ao continente, com a criação de 19 novas embaixadas. Ao deixar a presidência, Lula decidiu se dedicar ainda mais a desenvolver o trabalho voltado para a África.


Gisele Coutinho – 5/9/2013

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