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PM avança violentamente contra sem-teto no centro

Linha fina
Cerca de 130 famílias viviam em prédio abandonado na avenida São João; negociação para reintegração de posse começou na madrugada, mas violência eclodiu a partir das 7h
Imagem Destaque

São Paulo – Policiais Militares e moradores sem-teto que ocupavam um prédio na Avenida São João, na região central de São Paulo, entraram em confronto na terça 16, quando foi iniciada a reintegração de posse de um edifício de 20 andares, hotel antigo abandonado, onde viviam cerca de 130 famílias. Antes do horário de pico do trânsito e do transporte público, às 6h, teve início a negociação entre polícia, que cumpria ordem judicial, e militantes da Frente de Luta por Moradia (FLM), um dos movimentos responsáveis pela ocupação.

A juíza Maria Fernanda Belli, da 25ª Vara Cível do Foro Central, determinou a reintegração de posse a pedido da empresa proprietária do imóvel, a Aquarius Hotel Limitada. A Justiça requisitou o apoio da PM. De acordo com a secretaria, a reintegração estava prevista para ocorrer no dia 11 de junho, porém, na ocasião, foi cancelada porque não foram disponibilizados pela empresa proprietária do imóvel os meios necessários para a desocupação (caminhões e carregadores para o transporte dos pertences dos moradores).

Foi reagendada para 27 de agosto, mas acabou novamente suspensa, no dia, porque os oficiais de Justiça avaliaram que o número de caminhões e transportadores, de responsabilidade do autor da ação, ainda não era suficiente.

A ação foi novamente marcada há 15 dias. Porém, a coordenadora afirmou que havia um acordo com o 7º Batalhão da Polícia Militar para que 40 caminhões e 120 ajudantes auxiliassem a retirada dos pertences das famílias, mas somente 13 veículos estavam no local as 6h de hoje. “Explicamos novamente que havia um acordo. E íamos sair desde que houvesse caminhões para levar os pertences. Exatamente às sete horas e onze minutos explodiu a primeira bomba dentro do prédio”, contou Silmara Congo, coordenadora da FLM.

O conflito de teve início justamente quando parte das famílias ofereceu resistência à ordem da PM de que deixassem o local imediatamente, sem tempo para que eles carregassem pessoalmente seus pertences. Diante da argumentação, a polícia deu início à operação de ocupação do prédio com a Tropa de Choque.

Uma das integrantes do movimento, Shirley Santana, de 35 anos, disse que estava no interior do prédio quando a polícia chegou e atirou bombas pela janela. "As pessoas resistem porque elas não têm para onde ir", contou. Algumas desmaiaram por conta do gás, que ficou concentrado.

Jornalistas que acompanharam o conflito no local reclamaram, ainda, de obstrução por parte da polícia: fotógrafos e repórteres não foram permitidos dentro e nos entornos do prédio, mesmo após concluída a desocupação, por volta das 10h30.

Durante toda a manhã e, depois, no final da tarde, a situação ficou fora de controle: os ocupantes do prédio lançaram móveis e lixo nas ruas para obstruir o caminho dos policiais, que se organizam em linhas de escudos e cacetetes para "varrer" as ruas do centro, toda a região do viaduto do chá à República. Enquanto a polícia avançava com balas de borracha e bombas, os sem-teto respondem com paus e pedras. Por volta das 10h15, um ônibus foi incêndiado em frente ao Teatro Municipal, no Centro, atingindo a fiação elétrica da rua.

Segundo o advogado da Central de Movimentos Populares (CMP) Benedito Barbosa, outras pessoas que não tinham relação com o movimento se envolveram no processo. Lojas foram saqueadas e um ônibus incendiado próximo ao Teatro Municipal.

Bloqueios foram criados pela PM para impedir a circulação de pessoas, e linhas de ônibus foram desviadas da região central da cidade.

"Vandalo" de colo - Pelo menos dez crianças, uma cadeirante, foram detidas junto com seus pais, pela PM paulista. Até por volta das 16h, foram 70 pessoas encaminhadas ao 3º Distrito Policial, na rua Aurora, para averiguação por terem resistido à ação policial. Todos foram ouvidos e liberados em seguida.

O padeiro Samuel Pereira estava com a esposa e o filho de um ano no local, quando a polícia começou a arremessar bombas de gás lacrimogêneo dentro prédio. Sem alternativa, as famílias foram subindo os 21 andares do edifício. “A gente colocou um pano molhado no rosto dele, ficamos desesperados. Quando finalmente saímos, fomos cercados, depois colocados em uma van da PM e trazidos para cá”, contou.

Na saída do prédio, mulheres e crianças desceram primeiro, por meio de um “corredor polonês” de policiais. “Quando os homens saíram eles chutaram, bateram com o cassetete, xingaram. Tudo foi feito aos gritos, com muita violência”, denunciou o vendedor Rafael Macedo, de 19 anos. A agressão também foi relatada por Samuel.

Um grupo de imigrantes bolivianos estava bastante assustado. Um deles, que pediu para não ser identificado, disse que eles temem ser fichados e depois deportados.

O 2º tenente Venezian, da Polícia Militar, disse que as detenções foram necessárias para conter a violência dos moradores, que atiraram “objetos e fogos de artifício contra os policiais”. “Temos quatro policiais feridos”, completou.

O impressor Emerson Rodrigues rechaçou a acusação. "Só tinha família lá dentro. O que houve foi o desespero das pessoas quando a PM jogou bombas pelas janelas. Meu filho estava lá dentro com a mãe", contou. O pequeno Enzo Gabriel, de 10 meses, acabou detido junto com a mãe e levado ao 3º DP. "Além de ficarmos sem um teto, eles podiam ter matado meu filho."

Três homens foram detidos sob alegação de praticar furtos durante o conflito. Dois estavam algemados e um deles amarrado com lacres plásticos nos pulsos. Eles estavam separados dos demais e, segundo os moradores, não viviam na ocupação.

A maior parte dos moradores detidos ficou na calçada de um posto de gasolina ao lado da delegacia, cercado por policiais do Batalhão de Choque, sob o sol, com os pertences que puderam carregar. Alguns choravam, uns xingavam, outros tentavam comer e saber notícias dos parentes. Mesmo as crianças e os idosos foram mantidos nessa situação. Eles eram levados em grupos de cinco pessoas para dentro da delegacia.

“Eu pedi para um PM para ir ao banheiro e ele disse 'mija aí mesmo'. Estão nos tratando como se fôssemos bandidos. Foram eles que começaram a violência”, disse a desempregada Marli Franzini, de 42 anos, detida junto com o marido e dois de seus quatro filhos. Ela ressaltou que em nenhum momento a assistência social da prefeitura ou do governo estadual foi ao local. “Pro pobre só tem polícia mesmo.”

Segundo os moradores, os questionamentos na delegacia foram sobre como começou a violência, por que estavam na ocupação, se tinham sofrido agressões.

Segundo Silmara Congo, 205 famílias viviam no local há aproximadamente seis meses. Hoje havia 130, pois quem tinha para onde ir já tinha deixado o local. O prédio está abandonado há 17 anos e já havia sido ocupado em 2010, quando também teve a posse reintegrada ao proprietário.


Rodrigo Gomes, da Rede Brasil Atual, com edição da Redação - 16/9/2014
(Atualizado às 16h47)

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