Brics, bloco formado por África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia surgiu, entre outras motivações, para questionar o “comando do capitalismo” mundial, com Estados Unidos à frente, afirmou o presidente da CUT, Vagner Freitas, que participou na quarta-feira 18, do encontro Brics Sindical, reunindo em Brasília sindicalistas dos cinco países. Os representantes dos trabalhadores também elaboraram um texto em que apontam crescimento da desigualdade e cobram maior proteção social (leia a íntegra da declaração ao final da reportagem).
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
Para Freitas, a falta de um processo conjunto de desenvolvimento cria cidadãos de “primeira, segunda e terceira classe” e exclui a maioria dos trabalhadores. É preciso, acrescentou, combater a ideia de que “grandes corporações mundiais são mais importantes que os Estados nacionais”, e o Brics surgiu justamente a partir desse questionamento. Para o dirigente cutista, muitos países vivem “um atentado extraordinário à democracia”.
Ele também dirigiu ataques a Jair Bolsonaro, afirmando que o país é comandado “por um presidente da República que resolveu governar a mando e sob controle do presidente (Donald) Trump. Segundo o dirigente, Bolsonaro submete o Brasil a uma condição de “colônia do capitalismo norte-americano”. Já o presidente dos Estados Unidos promove “retaliações” a empresas russas e chinesas. “Nossos países têm que fortalecer a economia dos Brics.”
Em 15 minutos de discurso, o presidente da CUT também destacou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, o golpe representado pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, tem sido “desmascarado” não apenas pelo site The Intercept, mas com declarações de alguns de seus protagonistas – Freitas citou fala de Michel Temer, que chamou de “vice-presidente golpista” durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, em que usou o termo “golpe”.
“A liberdade do presidente Lula não é só necessária por ser uma questão de justiça social, humanitária e jurídica, já que ele é inocente. Mais do que isso: o presidente Lula está preso por que ele corrobora com a ideia de um Brics forte, de nações fortes, contra o interesse do mercado norte-americano, contra a ideia de que alguns países devem ser colônias. Pela defesa do comércio mundial democratizado”, disse ainda Vagner Freitas.
Leia declaração final dos trabalhadores no VIII Fórum Brics Sindical
Nos dias 18 a 20 de setembro de 2019, as centrais sindicais da República Federativa do Brasil, Federação da Rússia, República da Índia, República Popular da China e República da África do Sul se reuniram para discutir os principais desafios impostos aos países que compõe o BRICS especialmente as questões relativas ao mundo do trabalho, a promoção da democracia e dos direitos e interesses dos trabalhadores e trabalhadoras.
A criação do BRICS simbolizou um avanço na transição de um mundo unipolar a um mundo mais equitativo, contribuindo assim para o fortalecimento do multilateralismo que é essencial na promoção de sociedades mais justas e democráticas. Entretanto, hoje o multilateralismo tem sofrido diversos ataques e os líderes do BRICS já reconheceram na última Cúpula, que o comércio global enfrenta graves desafios e reforçaram o importante papel de organizações internacionais tais como a Organização das Nações Unidas – ONU e a Organização Mundial do Comércio por inovações, que devem respeitar o status de país em desenvolvimento dos países do BRICS. É necessário defender firmemente o sistema internacional com as Nações Unidas em seu cerne, manter uma ordem internacional baseada no direito internacional e promover a construção de uma comunidade de destino humano compartilhado.
A importância de promover o multilateralismo, particularmente ao lidar com os desafios do mundo do trabalho, indica claramente que a Organização Internacional do Trabalho – OIT deve desempenhar um papel importante no sistema multilateral. Deve fazê-lo, reforçando sua cooperação e desenvolvendo acordos institucionais com outras organizações para promover a coerência das políticas na busca de sua abordagem centrada no homem para o futuro do trabalho, reconhecendo os fortes, complexos e cruciais vínculos entre aspectos sociais, comerciais, financeiros, econômicos e políticas ambientais.
A conjuntura atual é marcada por profundas desigualdades e a dimensão social está claramente em declínio. Na última década os salários dos trabalhadores e trabalhadoras aumentaram apenas 2% por ano. E segundo a OIT, apenas 45% da população mundial está coberta em, pelo menos, um âmbito da proteção social e somente 29% tem acesso a uma proteção integral.
A OIT indicou ainda que em 2018 a maioria dos 3 bilhões de pessoas empregadas não gozava de um nível suficiente de segurança econômica, bem estar material e igualdade de oportunidades. E pior, que o avanço da redução do desemprego global não reflete uma melhora na qualidade do emprego. Vale ainda ressaltar que em alguns países do BRICS, os níveis de desemprego seguem altíssimos e em ascensão.
Pobreza persistente, desigualdades e injustiças, conflitos, desastres e outras emergências humanitárias em muitas partes do mundo constituem uma ameaça para garantir prosperidade compartilhada e trabalho decente para todos.
A predominância do emprego informal na maioria dos países que compõe o BRICS segue sendo um dos maiores desafios. Segundo a OIT, hoje cerca de 60% da população ativa mundial está no setor informal e grande parte são mulheres. Um importante fator é a persistente brecha salarial entre homens e mulheres e a falta de igualdade de gênero nos mercados de trabalho. Outro aspecto preocupante é a questão dos jóvens, já que segundo a OIT um de cada cinco jovens (menores de 25 anos) não trabalha e não estuda, ou seja, suas perspectivas de trabalho estão comprometidas. Estes elementos têm que ser considerados prioritários para se alcançar a eliminação de desigualdades e a promoção de justiça social.
Todos os trabalhadores devem gozar de proteção adequada, de acordo com a Agenda do Trabalho Decente, levando em consideração: (i) respeito aos seus direitos fundamentais; (ii) um salário mínimo adequado, estatutário ou negociado; (iii) limites máximos de jornada de trabalho; e (iv) segurança e saúde no trabalho.
Somam-se a este cenário, os intensos processos de inovações tecnológicas em que crescem modalidades individualizadas e precárias de trabalho e com cada vez mais constante extinção de empregos. A tendência dos mercados de trabalho, no geral, segue com uma precarização perversa, com a diminuição do emprego formal e um forte crescimento de trabalhadoras e trabalhadores autônomos, eventuais e de plataformas digitais, a maioria sem direitos e/ou proteção social. Ainda sobre a extinção de empregos, segundo o Banco Mundial, cerca de 20% dos empregos desaparecerão por completo. Outro estudo do Instituto Global McKinsey prevê que para 2030, cerca de 60% das ocupações poderão ser automatizadas em um terço de suas atividades essenciais.
Mudanças profundas nos mercados de trabalho já estão em andamento, especialmente nos países em desenvolvimento já que os impactos nestes países são maiores, pois são os países desenvolvidos que detém a maior parte dos avanços tecnológicos. Ou seja, estes avanços poderão gerar ainda mais desigualdade entre os que têm acesso a tecnologia e também a capacitação para usá-las e aqueles que não as tem. Além de impactar o mundo do trabalho ocorre numa conjuntura em que a democracia, os direitos e o diálogo social estão sob ataque.
Assim, vivemos um tempo de mudanças transformadoras no mundo do trabalho, impulsionado por inovações tecnológicas, mudanças demográficas, mudanças ambientais e climáticas e globalização, bem como em um tempo de desigualdades persistentes, que têm impactos profundos na natureza e futuro do trabalho e no lugar e dignidade das pessoas.
A Declaração do Centenário da OIT sobre o Futuro do Trabalho aponta que é necessário aproveitar todo o potencial do progresso tecnológico e da produtividade com diálogo social para alcançarmos trabalho digno e desenvolvimento para todos e todas. Importante ressaltar que são os Estados que terão que fazer as adequações necessárias aos sistemas regulatórios, fiscais, educacionais e de proteção social para advogar a aprendizagem ao longo da vida e melhorar as habilidades dos trabalhadores, para incluir os excluídos da “Quarta Revolução Industrial” e gerar políticas de emprego que visem a geração e a promoção de trabalho decente. Mas o que ocorre em alguns países do BRICS são reformas perversas que atacam direitos e o trabalho decente, fortalecendo cada vez mais modalidades de trabalho precário.
Os BRICS podem ser um espaço de referência, mas mais que isso, podem ser um espaço de produção de alternativas frente aos impactos da chamada “Quarta Revolução Industrial”. Porém não podemos discutir os impactos nos empregos e em nossas sociedades, sem que atores sociais possam participar e contribuir nos debates e nas construções de políticas. Não podemos também avançar numa agenda social e democrática, quando temos países neste organismo que violam convenções internacionais do trabalho ou que atacam a própria democracia e os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
É óbvio que existe a necessidade de abordar todos os princípios e direitos fundamentais no trabalho, em todos os níveis, através de mecanismos fortes, influentes e inclusivos de diálogo social, na convicção de que esse diálogo contribui para a coesão geral das sociedades e é de interesse público, além de ser crucial para uma economia produtiva e que funcione bem. A promoção dos direitos dos trabalhadores é um elemento essencial para a obtenção de um crescimento inclusivo e sustentável, com foco na liberdade de associação e no reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva como direitos facilitadores.
Considerando o cenário acima, as centrais sindicais do BRICS:
- Reivindicam a necessidade do reconhecimento formal do Fórum Sindical do BRICS e que o mesmo passe a constar no calendário oficial;
Reafirmam a necessidade da consolidação do BRICS como um espaço multilateral que vise contribuir com a redução das desigualdades sócio-econômicas; exigem
- igualdade de oportunidades, participação e tratamento iguais, incluindo remuneração igual para mulheres e homens por trabalho de igual valor;
- Reforçam a importância do fortalecimento e da consolidação do multilateralismo como modelo a garantir um mundo mais igualitário, justo e pacífico. Além do compromisso assumido pelos países do BRICS na última cúpula de implementar integralmente o Acordo de Paris, é essencial promover a transferência de tecnologia e de conhecimento, além de suporte financeiro quando necessário, aos esforços de se implementar uma transição justa e efetiva;
- Afirmam a necessidade de incorporar também os atores sociais e a Organização Internacional do Trabalho – OIT nos trabalhos que envolvam questões relativas ao mundo do trabalho e as políticas que busquem justiça social que estão sendo discutidas nos diversos espaços institucionais do BRICS;
- Saúdam a iniciativa de criação da Parceira sobre a Nova Revolução Industrial (PartNIR) e demandam a participação dos atores sociais neste espaço consultivo que visa discutir políticas que visem maximizar as oportunidades e lidar com os impactos da 4ª Revolução Industrial, já que claramente os empregos têm sido afetados;
- Saúdam a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Já que o objetivo do banco é financiar projetos de infra-estrutura e desenvolvimento sustentável nos países-membros, demandamos participação social neste espaço, além da inclusão de financiamento para o desenvolvimento de tecnologias avançadas. A participação social fortaleceria este organismo, promovendo o diálogo social ao permitir que os projetos financiados sejam objeto de acompanhamento visando garantir trabalho decente e respeito às convenções internacionais da OIT;
- Reivindicam que as decisões tomadas no Grupo de Trabalho sobre o Emprego sejam implementadas, especialmente o plano de 3 anos (2019 – 2021) que incluem medidas de coordenar a cooperação entre os parceiros sociais e o desenvolvimento do diálogo social e negociação coletiva, nomeadamente:
- Fortalecimento do diálogo tripartite para promover o desenvolvimento do mundo do trabalho;
- Desenvolvimento das capacidades técnicas dos parceiros sociais;
- Reconhecimento de segurança e saúde no trabalho como princípio fundamental e direito no trabalho;
- Melhoria da legislação laboral nos países do BRICS;
- Fortalecimento das inspeções laborais e dos sistemas de proteção.
- Consideram fundamental que as reformas, os avanços tecnológicos e científicos e o desenvolvimento econômico estejam efetivamente a serviço da humanidade. Tendo como objetivo a garantia da dignidade e o desenvolvimento integral da pessoa humana.
- Em conformidade com o Relatório do Centenário da OIT, recomendam o estabelecimento nos Estados membros do BRICS de uma Garantia Universal do Trabalho que inclua: (a) direitos fundamentais dos trabalhadores: liberdade de associação e reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva e combate ao trabalho forçado, trabalho infantil e discriminação; e (b) um conjunto de condições básicas de trabalho: (i) salário mínimo adequado; (ii) limites de horas de trabalho; e (iii) locais de trabalho seguros e saudáveis.
Brasília, 18 de setembro de 2019.