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Governo falsificou contas da reforma da Previdência, diz estudo

Linha fina
Pesquisadores apontam que cálculos inflam o custo fiscal das aposentadorias atuais para justificar a reforma, além de exagerar na economia fiscal e no impacto positivo das novas regras sobre a desigualdade
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Montagem: Linton Publio

Em abril o Ministério da Economia decretou sigilo sobre os estudos e pareceres técnicos que fundamentaram a reforma da Previdência, como a estimativa de crescimento e de emprego com a reforma, quem será mais afetado, quem ficará fora e o custo para implementação de um regime de capitalização. 

Um grupo de pesquisadores parece ter descoberto o motivo. Segundo eles, as contas oficiais foram falsificadas.

As conclusões estão no estudo inédito “A falsificação nas contas oficiais da Reforma da Previdência: o caso do Regime Geral de Previdência Social”, elaborado por pesquisadores do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp e divulgado por CartaCapital.

O estudo aponta que os cálculos inflam o custo fiscal das aposentadorias atuais para justificar a reforma e exageram a economia fiscal e o impacto positivo da Nova Previdência sobre a desigualdade. O estudo elaborado pelos pesquisadores (leia abaixo) demonstra que, para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), as aposentadorias por tempo de contribuição obtidas nas regras atuais com idades mais novas geram superávit para o RGPS e têm impacto positivo sobre a desigualdade.

O combate aos privilégios é um dos principais argumentos em defesa da reforma do Regime Geral.

Alega-se que o fim da aposentadoria por tempo de contribuição acabaria com o privilégio de trabalhadores com maiores renda e estabilidade de emprego que podem se aposentar mais cedo e que, por receberem os proventos por mais tempo, onerariam o sistema público de aposentadoria de modo injusto.

O estudo diz comprovar matematicamente que a aposentadoria por tempo de contribuição é superavitária, ou seja, a soma das contribuições de trabalhadores e empregadores, capitalizada à taxa de juros de 3% ao ano, considerada conservadora pelos autores, gera um volume de contribuições maior que a expectativa de recebimento de benefícios, levando em conta a sobrevida calculada pelo IBGE para cada grupo de idades simuladas.

Ou seja, a aposentadoria por tempo de contribuição não onera a Previdência, mas, ao contrário, gera recursos para ajudar a arcar com as aposentadorias por idade, estas sim deficitárias, onde se concentram as pessoas com menor capacidade contributiva, seja pela baixa renda ou pela dificuldade de se manterem  em empregos formais.

O superávit alegado pelo governo com a abolição da aposentadoria por tempo de contribuição, segundo o estudo, “é irreal, portanto a estimativa de economia com a reforma é falsa”. 

Os principais equívocos oficiais, de acordo com o estudo, são os seguintes: 

1. O governo alega calcular a aposentadoria por idade mínima, relatando valores que inventam um déficit das aposentadorias por tempo de contribuição que é, na verdade, das aposentadorias por idade

2. Ao calcular as aposentadorias por idade mínima no lugar das aposentadorias por tempo de contribuição, o governo calcula a aposentadoria recebida segundo o pico do salário estimado em 2034, ao invés da média dos salários, o que infla o custo das aposentadorias para inflar o suposto déficit

3. Para o salário de R$11.700 usado na simulação oficial de uma aposentadoria por tempo de contribuição hoje, o governo não apenas calcula uma aposentadoria por idade, como também subestima as contribuições do empregado e, principalmente, do empregador

4. Para o salário mínimo, o Ministério da Economia também troca a simulação da aposentadoria por tempo de contribuição pela aposentadoria por idade, o que subestima o subsídio atual para os trabalhadores pobres porque hoje não é preciso esperar a idade mínima de 60 anos para mulheres e 65 anos para homens para garantir a integralidade de benefícios por tempo de contribuição

5. Ao calcular as aposentadorias por idade no lugar das aposentadorias, o governo subestima o subsídio atual para os trabalhadores pobres porque simula contribuições por 20 anos e não a condição mínima de 15 anos de contribuição, tampouco a idade média da aposentadoria por idade nas regras atuais (19 anos): feita a correção nos dois casos, a reforma da Previdência não apenas diminui o subsídio para os mais pobres, como joga famílias na pobreza.

O grupo de pesquisadores que chegou às conclusões é coordenado por Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia, doutor em Economia e pesquisador do Cecon-Unicamp, ex-professor visitante na Universidade da Califórnia em Berkeley.

Integram ainda o grupo os pesquisadores André Luiz Passos Santos, mestre em História Econômica pela USP e analista bancário aposentado, Ricardo Knudsen, doutor em Química pela USP, especialista em Design de Experimentos e proprietário da KnudZen Consulting, na Itália, e Henrique Sá Earp, professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, mestre em Física Teórica pela University of Cambridge e ph.D em Matemática pelo Imperial College London.

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