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Chapéu
Direito à moradia

"Prisões arbitrárias, para criminalizar luta por moradia"

Linha fina
Em entrevista à Rádio Brasil Atual, Preta e Sidney Ferreira falam sobre os 100 dias em que estiveram detidos; e a mãe deles, Carmen Silva, coordenadora  da Frente de Luta por Moradia relata perseguição e mentiras da mídia
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Foto: Reprodução

O estúdio da Rádio Brasil Atual recebeu, na terça-feira 15, a coordenadora da Frente de Luta por Moradia (FLM) Carmem Ferreira da Silva e seus filhos Janice Ferreira (a Preta), Sidney Ferreira e Liliane Ferreira. Na entrevista exclusiva, a família relembrou a luta e a dor durante 100 dias de prisão arbitrária de Preta e Sidney, que são do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). A prisão, causada por acusações frágeis de testemunhas sem credibilidade, foi revogada na última quinta-feira 10, após concessão de habeas corpus pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Ocupar imóveis ociosos é fazer cumprir a lei

A expectativa é que Ednalva Franco, também integrante do movimento e presa junto com os filhos de Carmem, também seja libertada. Apesar da vitória, parcial, as lideranças sem-teto vão ter de cumprir medidas cautelares restritivas.

Na entrevista, aos jornalistas Nahama Nunes e Marilu Cabañas, Preta e Sidney relatam a falta de estrutura do sistema carcerário e o isolamento da família. “Me deixaram dormir três dias e três noites no chão, sem comer e beber água.Tinha pedaço de rato na comida. As meninas de lá pedem socorro”, contou Preta.

“Quando cheguei, passei dez dias de castigo, isolado. Foi desumano, nenhum bandido merece aquilo. A comida não serve nem para o cachorro”, relatou Sidney. Falta de água para se higienizar e a superlotação são parte da realidade. “A gente não tinha higiene. Eles fechavam a água, através de um rodízio. 35 presos numa cela, sem acesso à água. Iam cinco ou seis ao banheiro de uma vez para fazer as necessidades”, acrescentou.

Assista à entrevista na íntegra:

Recado de resistência

Em julho, Preta conseguiu ter o primeiro contato com a família através de sua entrevista à repórter Nahama Nunes, na Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte da capital paulista. “Naquele momento, eu estava com o coração ferido, há 30 dias sem ver minha família, sem ter notícias de fora. Eles destroçaram minha família, me colocaram numa prisão sem a possibilidade de me defender, como se fossemos bandidos. A entrevista foi emocionante, pois dei um recado à minha família, mostrando que estava bem.”

A mãe, Carmem, conta que ao assistir a entrevista percebeu que Preta mandava umk recado e mostrava que resistia. “A minha preocupação era saber o emocional de todos eles, essas prisões foram mensagens diretas de que eu estava incomodando e precisava ser atingida de alguma forma”, diz Carmem, para quem a prisão dos filhos foi uma forma de atingí-la.

Carmem Silva é uma das lideranças mais conhecidas e importantes do movimento de luta por moradia. Um pouco de sua trajetória pode ser conhecida no premiado Era o Hotel Cambridge, filme da diretora brasileira Eliane Café, que mistura documentário e ficção para narrar o drama de sem-teto e refugiados em uma ocupação no centro de São Paulo, o antigo Hotel Cambridge.

Carmem também foi acusada, num processo arbitrário e sem provas como o dos filhos e de outras lideranças sem-teto, mas foi absolvida em primeira e segunda instâncias.

Carmen Ferreira é absolvida novamente de acusação de extorsão

Direitos Humanos

Grupos de defesa dos direitos humanos também têm denunciado a arbitrariedade dos processos contra lideranças sem-teto. Uma missão organizada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca) está em São Paulo colhendo depoimentos e informações sobre a criminalização de movimentos sociais e a perseguição a suas lideranças. Desde o dia 7, os ativistas visitaram ocupações e, no dia 9, realizaram audiência pública na sede da Defensoria Pública. “As visitas e oitivas expõem de forma clara a seletividade do sistema de justiça na criminalização dos movimentos de moradia”, afirmou Denise Carreira, coordenadora da Plataforma Dhesca.

O futuro das acusações

As lideranças foram presas em 24 de junho. Naquele dia a Polícia Civil cumpriu 17 mandados de busca e apreensão, além de nove mandados de prisão temporária, sendo quatro efetivados. Depois, em 11 de julho, outras 19 lideranças foram denunciadas pelo Ministério Público Estadual e tiveram mandados de prisão expedidos, entre elas, Carmem. No entanto, as acusações e parte das testemunhas são as mesmas do outro processo no qual foi inocentada.

O inquérito é um desdobramento da investigação do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em 1º de maio de 2018. O prédio era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e abrigava aproximadamente 150 famílias. Nenhuma das lideranças detidas, no entanto, tinha qualquer relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados pelos movimentos de moradia prestaram auxílio às famílias desabrigadas.

Advogada das lideranças, Aline Andrade Silva diz que a Justiça trata todos os movimentos de moradia como se fossem um só para criminalizar a luta. “O promotor fez uma denúncia equivocada, misturou cinco movimentos e foi incapaz de individualizar a conduta dos outros 19 réus. O movimento tem mais de 20 anos, nunca respondeu um processo, e vamos lutar para que essa inocência seja reconhecida”, criticou.

As acusações do MP de São Paulo são de que valores cobrados a moradores de ocupações sob controle do MSTC seriam extorsões. “O Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) fez uma investigação, misturou todos os movimentos e disseram que todos praticam extorsão, como se todos os moradores que contribuem para a manutenção do prédio fossem vítimas. Entretanto, as testemunhas que se dizem ameaçadas são sigilosas e, depois de cair o sigilo, descobrimos que são pessoas que também denunciaram a Carmem em outro processo, na qual foi inocentada por unanimidade”, explicou a advogada.

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