A Constituição, em seu artigo 6º, determina que a moradia é um direito social. O Estatuto da Cidade (lei federal 10.257/2001) regulamentou a Constituição e estabeleceu como princípio básico a função social da propriedade. Ou seja, muito mais do que um direito individual, a propriedade inserida no meio urbano deve ser utilizada para o bem-estar de toda a população. O Estatuto estabeleceu, ainda, que as cidades elaborassem seus planos diretores, com a participação dos cidadãos. Assim, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo, de 2014, também se fundamentou pelo princípio da função social das edificações urbanas.
A legislação brasileira é citada pelo coordenador da Central de Movimentos Populares, Raimundo Bonfim, ao comentar a prisão de lideranças do movimento de luta por moradia, ocorrida no dia 24 de junho. “O movimento de luta por moradia está sendo perseguido e criminalizado quando, na verdade, atua para fazer cumprir a lei. Quem comete crime são os donos de prédios abandonados na cidade, que muitas vezes não pagam IPTU e só os utilizam para especulação imobiliária. Ocupar esses imóveis para que sirvam como moradia é fazer o que determina a lei”, afirma.
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“Seja na Constituição, seja no Estatuto da Cidade, seja no Plano Diretor do município de São Paulo a moradia é um direito, e prédios abandonados, que não cumprem sua função social, estão desrespeitando a legislação”, reforça.
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A presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Ivone Silva, destaca que a utilização de prédios abandonados como moradia para centenas de famílias é também uma forma de revitalizar a cidade. “Quando ocupados, esses imóveis, que estavam se degradando com o tempo, servindo de depósito de lixo e de abrigo para ratos, ganham vida, são recuperados e o local ganha segurança com a maior circulação de pessoas”, diz Ivone.
“Ocupar não é crime, crime é deixar prédios abandonados numa cidade com milhões de pessoas sem moradia, vivendo nas ruas ou muito longe dos bairros com ofertas de emprego”, acrescenta a dirigente.
Sindicato promoveu seminário sobre moradia. Assista à reportagem da TVB:
Processo arbitrário
Presos provisoriamente no dia 24 de junho, Sidney Ferreira da Silva, Jacine Ferreira da Silva (mais conhecida como Preta Ferreira), do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), Ednalva Silva Franco Pereira e Angélica dos Santos Lima, do Movimento de Moradia para Todos (MMPT), tiveram prisão preventiva decretada na noite da última sexta-feira 28 (veja reportagem atualizada)
Além dos quatro, que são do MSTC e MMPT, também foram decretadas prisões de mais cinco pessoas: Carmen da Silva Ferreira, também do MSTC, e ainda Ananias Pereira dos Santos, Andreya Tamara Santos de Oliveira, Hamilton Coelho Resende e Josiane Cristina Barranco. Alguns são da FLM (Frente de Luta por Moradia) e do MNLM (Movimento Nacional de Luta pela Moradia).
Raimundo Bonfim, que também é advogado, destaca que nenhuma das organizações nas quais militam as lideranças tem relação com a ocupação do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, que pegou fogo e desabou em 1º de maio de 2018, e cujo inquérito motivou as prisões. Eles são acusados de extorsão para obter vantagens econômicas, e a acusação se baseia em denúncia anônima.
É importante ressaltar que Carmen Silva já foi inocentada dessas mesmas acusações em processo recente.
Assista ao depoimento de Carmen Silva à TV dos Bancários:
“Se pessoas se utilizam da miséria para cometer irregularidades, a polícia tem mesmo que investigar e punir os responsáveis. Acontece que as nove lideranças não tinham qualquer relação com a ocupação do Largo do Paissandu. E o movimento que organizava aquela ocupação não é de nenhuma organização do campo progressista popular e não tem ligação com a luta histórica dos movimentos por moradia”, informa Bonfim.
Ele explica que, ao ocuparem prédios abandonados com o intuito de estabelecer moradia, as famílias se organizam e aprovam, por meio de assembleias, taxas para o funcionamento e manutenção dos edifícios. “O que acontece é que os prédios recém ocupados estão degradados, e os novos moradores precisam de portaria, de água, luz, reparos, extintores de incêndio... O custo disso é rateado entre as famílias, mas isso é aprovado em assembleia e há prestação de contas. Como se faz em qualquer condomínio.”
Ele ressalta ainda que os mandados de prisão provisória não se justificam porque as lideranças nem sequer foram intimadas. “Então é um processo arbitrário. Por isso afirmamos que não pode ser outra coisa que não a criminalização dos movimentos populares. Assim como eles estão tentando enfraquecer os sindicatos, agora agem para acabar com os movimentos de sem teto, que lutam por um direito fundamental do ser humano, previsto na Constituição.”