As lideranças do movimento de luta por moradia Janice Ferreira (a Preta), Sidnei Ferreira e Maria do Planalto acabaram de ter habeas corpus (HC) concedido pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. Eles estavam há 100 dias presos sob acusações frágeis e arbitrárias. Os três são integrantes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC); Preta e Sidnei são filhos da coordenadora da Frente de Luta por Moradia, Carmem Ferreira da Silva.
Eles devem deixar a prisão entre esta quinta-feira 10 e sexta-feira 11 (Preta saiu por volta das 17h30 desta quinta 10). A expectativa é que na próxima semana, Ednalva Franco, outra liderança do movimento, também seja libertada. Angélica dos Santos Lima já havia sido libertada semanas atrás.
“Como a base da prisão é a mesma, esperamos que todos sejam libertados em breve. A justiça tem adotado essa linha meio sádica de soltar alguns de cada vez, mas está claro que as acusações são vagas e não estão bem documentadas”, explicou a advogada de Maria do Planalto, Maíra Machado Frota Pinheiro.
Não é crime
A presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Ivone Silva, comemora a notícia, e destaca que a prisão das lideranças é perseguição aos movimentos sociais. “Não podemos aceitar a criminalização dos movimentos sociais. A liberdade da Preta e das demais lideranças é fundamental para o fortalecimento da democracia e o Estado de Direito. Todo o nosso apoio ao movimento por moradia que sempre lutou pelo cumprimento da lei.”
Ivone ressalta ainda que a luta desses movimentos é para fazer cumprir a legislação. “A ocupação de prédios abandonados, muitos com dívidas altíssimas de IPTU, não é crime. Pelo contrário, ao ocupar um local ocioso, e fazer com que ele sirva de moradia para dezenas de famílias, o movimento sem-teto está fazendo cumprir a Constituição e o Estatuto das Cidades, que determinam que imóveis têm de ter função social.”
> Ocupar imóveis ociosos é fazer cumprir a lei
Vitória da mobilização
Para Augusto de Arruda Botelho e Beto Vasconcelos, advogados de Preta, a conquista do HC é uma vitória da mobilização dos movimentos sociais e das defesas dos militantes. “Permitir que Preta e Sidney respondam ao processo em liberdade é, nada menos do que, uma questão de justiça. E foi isso que pudemos presenciar aqui hoje no Tribunal, a justiça sendo feita. Essa é uma vitória importante dentro de um longo processo em que provaremos a completa inocência dos dois”, afirmaram em nota.
Apesar da libertação, as lideranças sem-teto vão ter de cumprir medidas cautelares bastante restritivas. “Eles não poderão se relacionar com outros investigados ou testemunhas do processo, nem podem circular nas ocupações. Isso é um problema grave porque elas moram nas ocupações, suas famílias estão lá. Então a medida cautelar impacta de forma agressiva a vida delas”, comentou a advogada.
As prisões
As lideranças foram presas em 24 de junho. Naquele dia a Polícia Civil cumpriu 17 mandados de busca e apreensão, além de nove mandados de prisão temporária, sendo quatro efetivados. Depois, em 11 de julho, outras 19 lideranças foram denunciadas pelo Ministério Público Estadual e tiveram mandados de prisão expedidos, entre elas, Carmem. No entanto, as acusações e parte das testemunhas são as mesmas de um processo em que ela foi inocentada, por falta de provas.
O inquérito é um desdobramento da investigação do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em 1º de maio de 2018. O prédio era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e abrigava aproximadamente 150 famílias. Nenhuma das lideranças detidas, no entanto, tinha qualquer relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados pelos movimentos de moradia prestaram auxílio às famílias desabrigadas.
Pressões
Além das inúmeras mobilizações dos movimentos de moradia contra a criminalização e a perseguição de lideranças, grupos de defesa dos direitos humanos também têm denunciado a arbitrariedade do processo. Integrantes da missão emergencial organizada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca) em São Paulo afirmam que a prisão Preta e Sidnei se deu unicamente com o objetivo de pressionar Carmem, que é mãe deles. “É evidente que eles foram presos por serem filhos dela, que é uma liderança fundamental do movimento social. Isso será incluído em nosso relatório sobre a criminalização dos movimentos sociais”, afirmou a coordenadora da Plataforma Dhesca, Denise Carreira.
A relatora da missão, Lúcia Maria Morais, visitou Preta, Sidnei e Ednalva na última segunda-feira (7). “Ficamos surpresos porque, apesar de tristes, eles estão demonstrando muita força e muita garra de sair e continuar nessa luta. E também de iniciar um trabalho em defesa dos direitos das mulheres encarceradas”, contou a relatora, sobre Preta e Ednalva. “A situação do Sidnei é pior, pois ele está isolado de outros militantes, em uma cela lotada e longe da filha, que ele cria sozinho. Ele não quer que ela o visite, pois não quer que ela o veja nessa situação”, explicou Lúcia.
Para a relatora, as prisões das lideranças sem-teto foram realizadas de forma arbitrária e ilegal. “Elas foram detidas com violência. E depois prenderam o Sidnei em casa, logo depois de ele deixar a filha na escola. Disseram que ele ia prestar um depoimento e só anunciaram a prisão na sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). O objetivo dessas prisões não é simplesmente encarcerar as pessoas, mas intimidar, acabar com os movimentos sociais”, afirmou.