São Paulo - De figuras históricas, intelectuais e artistas que ousaram romper com o silêncio e a invisibilidade acerca da questão racial, a militantes do movimento negro, dos movimentos social e sindical que mantêm a luta cotidiana contra o racismo.
A Revista CUT com Raça lançada oficialmente nesta quarta-feira 12 reflete a pluralidade de opiniões e ideias. Reúne histórias de lideranças negras brasileiras como Zumbi dos Palmares e Lélia Gonzalez, informações sobre a Década Internacional de Povos Afrodescendentes (2015-2024), entrevista com o goleiro Aranha (Santos), vítima de preconceito racial, e artigos assinados por dirigentes da CUT, pelos ramos da Central e por militantes do movimento negro. Mas, sobretudo, agrega importantes elementos para o combate à discriminação racial no mundo do trabalho.
A publicação é objeto da campanha permanente ‘Basta de racismo no trabalho e na vida’ - lançada na 14ª Plenária Nacional da CUT – e é uma das ações sobre o mês da consciência negra. O projeto de construção da Revista contou com apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES).
“É um material de formação e reflexão, uma ferramenta para auxiliar na ação sindical cotidiana, porque é no mercado de trabalho que a discriminação e o preconceito mais se apresenta”, assinalou Maria Julia Nogueira, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT. “Para que possamos construir uma sociedade de iguais, temos que combater o racismo cotidianamente”, acrescentou.
Segundo o presidente da CUT, Vagner Freitas, a revista CUT com Raça é um importante instrumento para fazer o processo de discussão política e educacional. “O Brasil ainda é um país extremamente racista, preconceituoso e injusto com as minorias”, disse.
Para exemplificar sua afirmação, Vagner citou uma conversa recente que teve com um estudante negro, bolsista do Prouni no curso de direito. “Questionei ele sobre a falta de identidade com este governo responsável pelas transformações sociais. Sabe o que ele me respondeu? Que essa seria a única alternativa para não ser excluído do restante da sala. Isso mostra a dificuldade de um estudante negro em uma universidade privada de classe média, com grande maioria de brancos. As universidades ainda estão longe das periferias”, ressaltou.
Ação – posterior ao lançamento oficial da revista, ocorreu um debate sobre ações de combate ao racismo no trabalho e na vida.
Lisyane Motta, procuradora do trabalho e coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), falou sobre as ações que o Ministério Público tem promovido para combater a discriminação no mundo do trabalho e defendeu uma maior articulação entre o Judiciário e o movimento social e sindical. “Se não há uma articulação política e social, o Judiciário sozinho não responde aos desafios de afirmação dos direitos humanos como um todo”, analisou.
O racismo é considerado hoje crime inafiançável e imprescritível, segundo consta na Constituição Federal. Carlos Alberto Silva, ouvidor nacional da Igualdade Racial da Presidência da República, ressaltou que a inserção deste artigo na Carta Magna só foi possível a partir da luta do movimento negro, social e da população. “Somente dois crimes constam na Constituição: o próprio racismo e a tortura.”
Carlos Alberto lembrou também que apenas em 2010 foi ratificada uma legislação sobre os direitos da população negra como um todo, visando a correção das desigualdades raciais e a promoção da igualdade de oportunidades: o Estatuto da Igualdade Racial, sancionado pelo ex-presidente Lula e transformado na Lei 12.288.
“Existem avanços e conquistas do movimento negro que foram consolidados neste ciclo progressista. O conceito do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de autodeclaração, por exemplo, é uma iniciativa necessária e tira a invisibilidade da questão racial”, disse.
O mais recente censo do IBGE registrou que pretos e pardos somam mais da metade da população. Apesar dos dados, os/as negros/as ainda ocupam os piores postos e condições de trabalho, recebem remuneração menor e são discriminados pela cor da pele.
“Vivemos um cenário de intenso embate ideológico e precisamos ter clareza do aspecto político para fazer a disputa”, avaliou Clédisson Júnior, membro da direção do Enegrecer (Coletivo Nacional de Juventude Negra).
Ele sugeriu que o movimento sindical rompa com a luta específica de caráter econômico. “Precisamos construir uma base de formação política no Brasil, na América Latina e no mundo.”
Ao final, a secretária Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores, Cida Abreu, afirmou que a base das mudanças está na reforma política e na democratização dos meios de comunicação. “E acho que uma das ações mais urgentes é alterar a forma de financiamento de campanha. Só assim conseguiremos mudar o perfil do candidato. Atualmente não há disputa ideológica, mas econômica”. E complementou. “Essa será nossa tarefa pós 20 de novembro. A luta pela reforma política e da comunicação, para que a juventude possa enxergar tudo que foi construído desde o Quilombo dos Palmares até os dias atuais.”
William Pedreira, da CUT - 13/11/2014
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No mês da consciência negra, Central lança revista como ferramenta de auxilio à ação sindical
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