São Paulo – Aguardada por mais de 300 mil moradores da região centro-sul da capital paulista e municípios vizinhos, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Vila Mariana, na zona sul, está com as obras paradas desde maio do ano passado, quando a construtora Massafera desistiu da construção por enfrentar problemas administrativos internos.
Projetada para oferecer de 13 a 20 leitos de observação, com capacidade para atender até 450 pacientes por dia, não passou do primeiro pavimento, como pode ser visto por quem passa pela Rua Diogo de Faria, 609, esquina com Rua Botucatu, na Vila Clementino.
No entanto, a UPA já consta das planilhas de custos da Secretaria da Saúde da gestão João Doria (PSDB). Em 30 setembro, um sábado, o Diário Oficial da Cidade de São Paulo publicou extrato do despacho do secretário municipal da Saúde, Wilson Pollara, sobre termo aditivo a um dos contratos firmados com a organização social de saúde Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), com autorização de repasse de R$ 78.756.884,34. No site da Secretaria Municipal de Saúde não há informações disponíveis sobre aditamentos ao contrato assinados na gestão Doria.
Desse total autorizado por Pollara, R$ 6.280.000,00 são destinados ao custeio referente aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, em quatro parcelas de R$ 1.570.000,00. Os valores, que constam de planilhas às quais a RBA teve acesso, referem-se ao custeio de folha de pagamento de pessoal, materiais de consumo e de consumo assistencial.
Segundo memorando assinado pelo coordenador regional de saúde da região sudeste, José Roberto Abdalla, a gestão da UPA foi incluída no contrato por determinação da própria Secretaria da Saúde.
Chama atenção o fato de a UPA Vila Mariana ter sido beneficiada com o repasse autorizado pelo gabinete do secretário Wilson Pollara mesmo antes de estar devidamente registrada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
De acordo com o cadastro, gerenciado pelo Departamento de Informática do SUS (DataSUS), no Ministério da Saúde, o registro só foi feito em 4 de novembro. Segundo o Departamento de Informática do SUS (DataSUS), que gerencia o CNES, é critério para o cadastramento que o estabelecimento esteja em funcionamento.
Conforme o próprio cadastro, a UPA tem apenas um funcionário, Milton Scalabrini, que atua como gerente de serviços. A ficha completa, que pode ser acessada por meio da página do CNES (clique aqui para conferir), não indica a existência de equipes, equipamentos, leitos ou demais itens necessários para o atendimento.
Gestores – Além do fato de uma UPA que só está ativa nos papéis custar ao município RS 1.570.000,00 por mês, mesmo tendo apenas um funcionário, causaria estranheza ainda o endereço registrado no CNES – Rua Napoleão de Barros, nº 771, ao lado do pronto-socorro do Hospital São Paulo, que fica a duas quadras dali – se não fosse um documento assinado pela direção da OS SPDM.
No último dia 30 de agosto, um mês antes de o secretário Wilson Pollara autorizar o repasse de R$ 6.280.000,00 à SPDM, o diretor-presidente da OS, o médico psiquiatra Ronaldo Laranjeira, assinou autorização para que o Hospital São Paulo – hospital-escola da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), gerido pela SPDM – passe a ceder espaço para o funcionamento da UPA Vila Mariana.
Mas não há placas nem indicação de novos serviços de atendimento à população no endereço do hospital que convive com dificuldades financeiras históricas e greves de residentes justamente para reivindicar melhores condições de trabalho, infraestrutura e mesmo insumos básicos, como gaze, por exemplo.
Gigante – A SPDM é maior Organização Social conveniada com o município. Administra equipamentos municipais de saúde em praticamente todas as regiões, entre eles Vila Mariana e Jabaquara. E recebe cerca de R$ 1,2 bilhão por seus serviços. É cotada para ser a gestora do Hospital Municipal de Parelheiros, iniciado na gestão de Fernando Haddad (PT). E seria a responsável por gerir o Hospital Universitário (HU) da USP, caso João Doria (PSDB) obtivesse êxito na "municipalização" do hospital-escola da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Seguindo à risca a cartilha da gestão Alckmin, a reitoria da USP, maior universidade do país, pretende se desfazer do hospital.
A SPDM é também muito presente nas políticas de saúde do município e do governo de Geraldo Alckmin por meio de seu dirigente principal. Ronaldo Laranjeira é coordenador do programa estadual Recomeço, e proprietário da Clínica Alamedas, em São Paulo. Além disso, é consultor técnico do Hospital Cantareira e Casa de Saúde São João de Deus, contratados pela gestão Doria para fornecimento de leitos de desintoxicação e de intervenção na crise para pacientes com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas. A contratação, com valores 30% maiores que os demais assinados na época, foi justificada como uma das saídas no auge da crise envolvendo a Cracolândia, no começo do ano.
Ainda segundo os documentos aos quais a RBA teve acesso, muitos deles sem assinatura de todas as partes envolvidas, os repasses à UPA fantasma estarão em vigor, e devidamente corrigidos, até que as obras paradas sejam enfim concluídas. Mas isso não deve ser para tão logo.
De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, estão em andamento as obras de seis UPAs, todas com estimativa de conclusão e abertura em 2018: Ermelino Matarazzo, Júlio Tupy, Tito Lopes, Pirituba (Soares Hungria), Perus e São Luiz Gonzaga. As da Vila Mariana, ao que parece, seguem paradas.