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Chapéu
Belo Horizonte

Bancários debatem conjuntura histórica e participação negra no mercado de trabalho

Linha fina
Explanações do V Fórum Nacional pela Visibilidade Negra no Sistema Financeiro, que acontece em Belo Horizonte, também abordaram direito à vida e a violência contra a mulher negra
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Foto: Seeb-SP

A conjuntura histórica brasileira, a participação das pessoas negras no mercado de trabalho, principalmente no sistema financeiro, o direito à vida e a violência contra a população negra. Estes foram alguns dos temas abordados no V Fórum Nacional pela Visibilidade Negra no Sistema Financeiro, que aconteceu nesta quinta 28 e sexta-feira 29 em Belo Horizonte. O Sindicato esteve presente com os dirigentes sindicais Ana Marta, Fábio Rogério, Fernando Mattos e Júlio Cesar, do coletivo de Combate ao Racismo da entidade.

“É importantíssima nossa participação nesse Fórum, pois conseguimos mensurar como está, estatisticamente, a inserção da população negra no sistema financeiro e traçar plano de luta para melhorar as condições de trabalho, além de combater o racismo institucional, que é extremamente presente e cruel na categoria”, salienta Ana Marta, coordenadora do coletivo.

“Debatemos diariamente, na base do Sindicato e nas atividades as quais participamos, o racismo na sociedade e no mercado de trabalho, principalmente no setor financeiro. Além disso, também a falta de oportunidades iguais para as pessoas negras, a ausência de negros na chamada linha de frente dos bancos, em cargos executivos, a retirada de direitos que prejudica principalmente as mulheres negras e os mais pobres, cuja maioria também, infelizmente, é negra”, acrescenta.

“A terceira do Censo da Diversidade, cuja participação da categoria vai até esta sexta-feira, vai além do levantamento sobre o perfil dos bancários e das bancárias. Temos de lutar pela ampliação da igualdade de oportunidades no setor bancário e da eliminação dos preconceitos. E ainda debater e promover o respeito às diferenças, a cultura de não violência e o fim de qualquer discriminação, tanto nos locais de trabalho quanto em seus círculos de convivência social”, acrescenta o dirigente Fábio Rogério.

Para Mário Theodoro, doutor em Economia pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e professor da Universidade de Brasília (UnB), fatores históricos explicam por que a população negra é a que mais sofre nestes tempos de crise econômica.

“O subemprego é algo estrutural no Brasil. Remete à época da abolição, quando, da mudança do estatuto do mercado de trabalho, tivemos tanto a entrada de muitos imigrantes quando a destituição dos negros dos cargos e das áreas mais dinâmicas da sociedade, da economia. Nos dias atuais, com a crise, aumentou muito o subemprego e a informalidade e não temos tido, na economia, a capacidade de gerar mais empregos. Quem mais sofre com isso, infelizmente, é o nosso povo negro, que, historicamente já é despossuído, e se vê numa situação ainda pior durante esta época de recessão econômica”, enfatiza o professor.

O Fórum

Na abertura do Fórum, o professor Ramatis Jacino abordou o resgate do trabalho escravo, desde o sequestro dos irmãos negros na África até o fim do século XIX. Ele ainda falou sobre a importância do continente africano no processo de construção da civilização. Para Ramatis, o sequestro dos africanos pelos europeus foi motivado pelo amplo conhecimento científico e tecnológico que as nações africanas possuíam nas mais diversas áreas, entre elas a agricultura, a matemática avançada, a física, a astronomia, a mineração e a farmacologia.

“A escravidão é um momento importante e trágico na história da humanidade e na história dos negros em particular. Mas nossa história não se resume à escravidão. A contribuição que o povo africano deu para a civilização, para a economia, para o desenvolvimento científico e tecnológico, é muito grande”, explicou o professor.

Para a doutora Ângela Gomes, é preciso enaltecer principalmente o legado trazido pelas mulheres negras em áreas estratégicas. “Todo esse conhecimento que tem sido ocultado, tem colocado as mulheres no patamar de objetos ou de em mulheres que não são colocadas como pessoas com direitos de ir e vir. O que temos visto é que a política tem que ser focal. As (políticas) afirmativas são necessárias, porque enquanto vemos que a Lei Maria da Penha conseguiu reduzir o feminicídio de mulheres brancas, aumentou em 54% o de mulheres negras”.

“A violência doméstica à qual são submetidas as mulheres negras é moral, mas é também do trabalho, e é colonial à medida que há uma naturalização de colocar as mulheres negras como objeto de consumo ou de prostituição”, concluiu.

Censo da Diversidade

A economista e técnica do Dieese Vivian Machado, responsável pela “Análise dos dados do Censo da Diversidade-Fenaban 2014 e as perspectivas do Censo de 2019”, apresentou aos presentes os dados de distribuição da população negra e branca em 2010 e os principais resultados do Censo da Febraban (2008 e 2014). “Esses dados mostram como é grande a diferença salarial entre negros e brancos e, principalmente, entre as mulheres negras e os homens brancos – muito maior e preocupante em todas as regiões”.

Vivian explicou que a perspectiva é de que o Censo de 2019, além de um levantamento estatístico da atual composição da categoria bancária, traga também formação e possibilite a ampliação da luta contra a discriminação e do preconceito que existe dentro do sistema financeiro. “Quando apresentamos a realidade dos dados, constatamos que, no dia a dia, as pessoas ainda não estão conscientizadas da gravidade da situação e possam ter ações afirmativas e positivas no sentido de trazer os bancários para a luta contra a discriminação”, acrescentou a economista do Dieese.

Provocação

Nos debates do V Fórum Nacional pela Visibilidade Negra no Sistema Financeiro, o sociólogo Martvs das Chagas iniciou com uma provocação. Após questionar o público presente se eles acreditavam na existência do racismo no Brasil e receber uma resposta positiva de toda a plateia, o sociólogo perguntou se algum dos presentes se considerava racista. Segundo ele, é impossível que, ao mesmo tempo em que toda a plateia admite a existência do racismo no país, ninguém se reconheça racista em alguma situação.

“O Brasil é um país doente de uma moléstia chamada racismo. Se não procuramos, além de diagnosticar essa doença, criar mecanismos para curá-la, vamos continuar durante muito com essa sociedade desigual que nós temos hoje. Faço essa provocação no sentido de alertar as pessoas também para a dificuldade que é lutar contra o racismo no Brasil. Como é que você luta contra aquilo que é invisível? Como lutar contra o que não aparenta?”, questionou.

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