São Paulo – Além de entidades sindicais internacionais que manifestaram preocupação com os rumos da democracia brasileira, a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) fez com que outras entidades organizadas, acadêmicos, articulistas e a imprensa internacional demonstrassem solidariedade ao ex-presidente e ao Brasil.
Em Mensagem aos democratas brasileiros, o sociólogo português Boaventura Sousa Santos escreveu, no blog da Editora Boitempo, que “a democracia brasileira está em perigo, e só as forças políticas de esquerda e de centro-esquerda a podem salvar”. O acadêmico fala “das chocantes irregularidades processuais e da grosseira seletividade das investigações” da Operação Lava-Jato, que condenou o ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão, em regime inicial fechado, e diz que o intuito da força-tarefa é “liquidar, pela via judicial, não só as conquistas sociais da última década como também as forças políticas que as tornaram possíveis”.
Já a Frente Amplio, do Uruguai, emitiu uma declaração afirmando que “a condenação careceu de imparcialidade e de provas, violando a garantia do devido processo” e que todo o processo não passou de “uma ofensiva levada adiante pela elite econômica, política e midiática que, com o respaldo do sistema judiciário, que pretende afetar a imagem do líder do PT para retomar o controle das decisões políticas e econômicas e impor, como vem fazendo desde a deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff, uma política que afeta os direitos da maioria do povo brasileiro”.
O risco à democracia brasileira e a seletividade no julgamento do ex-presidente Lula também foi tema abordado por articulistas nos principais jornais do mundo.
O pesquisador Hernán Gõmez Bruera, do Instituto Mora, da Cidade do México, escreveu no The New York Times, que “a investigação nunca conseguiu provar que Lula tinha uma única conta bancária ou uma propriedade indevida”. “Os juízes não só ignoraram as declarações de 73 testemunhas que contradizem as acusações do ex-diretor da empresa de construção OAS e os diversos recursos interpostos pela defesa do ex-presidente como também não consideraram uma carta aberta assinada por numerosos intelectuais, ativistas e políticos latino-americanos, nem o estudo detalhado da sentença por mais de uma centena de advogados e estudiosos que desmantelaram todas as premissas da sentença do juiz Moro”, salientou.
Milagre brasileiro – Em artigo publicado pelo jornal espanhol El País, o jornalista e diretor de Comunicação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Enrique Yeves, destacou que “é uma ironia perversa que o arquiteto do maior sucesso internacional na luta contra a fome e a pobreza, o ex-presidente Lula da Silva, tenha sido convidado neste fim de semana na Etiópia pelos presidentes da União Africana para participar de um evento para mostrar os segredos do “milagre brasileiro”, que inspira os líderes do continente africano através de seu programa Fome Zero, uma referência mundial no progresso social, enquanto que, em seu próprio país, estejam fazendo todo o possível para colocá-lo na prisão”.
“No complexo mundo da cooperação internacional, cada vez que falamos sobre uma fórmula que trabalhou para reduzir a fome e a pobreza, citamos o programa Fome Zero, que o presidente Lula e seus colaboradores implementaram em seu país quando foram eleitos em 2003. Cada vez que um país deseja alcançar objetivos semelhantes, seja na Ásia ou na África, eles olham com admiração para o “modelo brasileiro”, que eles então adaptam às suas próprias necessidades”, acrescentou Yeves no artigo.
Já o jornal francês Le Monde disse, em seu editorial, que a condenação de Lula em segunda instância é resultado de “um mal-estar crescente desde o controverso impeachment da presidenta Dilma Rouseff, herdeira e sucessora de Lula”. “A desgraça de Lula mostra um espetáculo lamentável de um velho mundo político em decadência”, acrescentou o jornal, que ainda lembrou da acusação de corrupção passiva que pesa sobre o presidente ilegítimo, Michel Temer: “Até agora, o chefe de Estado conseguiu suspender os processos na Justiça que o visam negociando favores com parlamentares que também são alvo do Judiciário”, disse o periódico francês no editorial.
Ainda na França, Lula recebeu o apoio de Jean-Luc Mélenchon, líder do Movimento França Insubmissa e quarto candidato mais votado nas eleições presidenciais francesas de 2017. Para Melénchon, "os corruptos que governam o Brasil por assalto fizeram condenar Lula" e Temer é corruputo "até a medula dos ossos".
Processo fraudulento – O Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) expressou, por meio do secretário-executivo Pablo Gentili, sua solidariedade ao ex-presidente. “Rechaçamos o uso da Justiça como mecanismo de um processo fraudulento para impedir que Lula seja candidato nas próximas eleições presidenciais”. Gentili, no texto, chama a atenção para um processo de “judicialização da política” mundial, não só no Brasil. “Vivemos uma fase nefasta de enorme fragilidade democrática no Brasil e em toda a América Latina”, diz o secretário-executivo do CLACSO, instituição internacional não-governamental associada à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que reúne 623 centros de pesquisa e pós-graduação em Ciências Sociais em 48 países da América Latina e outros continentes.
O presidente do Partido de Esquerda Europeu, Gregor Gysi, a Frente Farabundo Martí para la Liberácion Nacional (FMLN), de El Salvador, e a Central Bolivariana Socialista de Trabajadores, da Venezuela, também manifestaram, por meio de nota, seu apoio ao ex-presidente Lula.