Brasília - Os casos de assassinatos de jovens negros no Brasil foram o tema central da audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). O debate ocorreu em Washington, nos Estados Unidos, na sexta 20, quando foram abordadas denúncias de diferentes regiões brasileiras.
“Temos inúmeros casos denunciados pelos centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), e a gente achou importante dar visibilidade e pedir que a comissão faça recomendações ao governo brasileiro, no sentido de adotar medidas para coibir essa violência que, na maioria das vezes, é provocada por agentes públicos do Estado”, disse Denise Campos, integrante da coordenação colegiada da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), que participou da audiência.
Pedro Pereira, também da Anced, diz que o número de assassinatos tem crescido no país. “A própria Anistia Internacional lançou uma campanha, em novembro de 2014, divulgando a informação que, de 30 mil jovens, entre 15 e 29 anos assassinados no Brasil em 2012, 77% eram negros”.
Segundo Denise, duas organizações da sociedade civil participaram da audiência: a Justiça Global, que tratou de temas como os autos de resistência; e a Quilombola X, que tratou do racismo. Ambas defendem que o governo brasileiro precisa ter respostas mais efetivas para combater o racismo e conter as mortes da juventude negra no país.
O debate teve a participação do governo brasileiro, representado pelo secretário de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Ronaldo Barros. Segundo ele, o governo vem implantando ações como o Plano Juventude Viva, que inclui 44 projetos para diminuir a vulnerabilidade da juventude negra. “Não há demora [na implementação de ações], há a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos. O Estado não está de olhos fechado para essa situação e tem feito ações, tanto no Executivo, quanto no Judiciário e no Legislativo”.
Barros citou também a assinatura de protocolo de redução de barreiras de acesso à Justiça e oficinas com agentes públicos para combater o racismo.
Denise ressalta que apesar de o governo ter reconhecido o problema das mortes, ainda é preciso colocar em prática ações mais concretas. “Eles falaram sobre o Plano Juventude Viva, que tem uma série de ações, e a própria comissão chamou a atenção do governo porque, na verdade, tem que apresentar ações mais concretas. Ações que realmente se traduzam em questão eficaz, e não ficar só no debate. Reconhecer é importante, mas não é suficiente”. Ela conta que alguns pontos foram debatidos, como a desmilitarização da polícia e os chamados autos de resistência.
“Nós estamos em período de ajustes, e não em período de resolução imediata, e a gente espera que os novos ajustes, com ações afirmativas – cotas, trabalho decente para as trabalhadoras domésticas – consigam realmente incidir nesse índice de letalidade existente”, disse Ronaldo Barros.
Para o secretário, o período de implantação das ações do plano ainda é curto para poder avaliar se houve ou não eficácia na redução das mortes. Ele reforçou o argumento de que os mecanismos precisam ser ajustados para ser cada vez mais eficientes.
Ronaldo Barros disse que a CIDH vai fazer um conjunto de recomendações para que o governo brasileiro tenha ações não só na esfera do monitoramento, mas também na incidência direta sobre o controle externo da polícia, com promotorias específicas para melhorar a acessibilidade do jovem negro à Justiça. Para ele, o problema precisa ser debatido também na sociedade, e a participação dos movimentos sociais é importante para pôr as ações em prática. Segundo o secretário, a audiência é espaço para debater um assunto, não significa um processo para o país.
Michèlle Canes, da Agência Brasil - 23/3/2015
Linha fina
Representante da Anced lembrou que em 2010 a Anistia Internacional contava como negros 77% de 30 mil jovens assassinados no Brasil
Imagem Destaque