Salvador – Negra, pobre, de origem periférica. Marielle Franco, vereadora executada no Rio de Janeiro, na quarta-feira 14, é a cara da mulher brasileira, vulnerável a toda sorte de violências e descasos. A tragédia da ativista carioca esteve presente em todos os discursos da Assembleia Mundial de Mulheres, um dos eventos finais do Fórum Social Mundial, na manhã de sexta-feira 16, em Salvador (BA).
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Centenas de mulheres de dezenas de nacionalidades lotaram o Largo Terreiro de Jesus, no Pelourinho, centro histórico da capital baiana. Nas falas, em vários idiomas, mulheres denunciaram as condições de opressão e violência, mesmo as mais sutis, às quais são submetidas cotidianamente.
A vice-presidenta da CUT Nacional, Carmen Foro, ressaltou o aspecto de convergência do ato, que reuniu diferentes etnias, ideologias e credos. Para Carmen, a assembleia se transformou em uma celebração da memória de Marielle, que representava um conjunto de identidades discriminadas em nossa sociedade.
“O machismo, o patriarcado, o capitalismo e suas interconexões têm tentado destruir nossos sonhos. E o que aconteceu com Marielle é uma das expressões mais violentas dessa tentativa. Uma mulher negra, pobre, de periferia, e que levantou sua voz representa tudo o que este sistema mais odeia, então o que vimos foi um crime de ódio”, sentenciou Carmen Foro. “Calaram sua voz, mas nós continuaremos gritando, por ela e por todas as mulheres vítimas de violência cotidianamente em todo o mundo.”
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Já a deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA) lembrou que outra forma de violência sofrida pelas mulheres é o silenciamento de suas vozes. Ela lembra que temos apenas 51 deputadas federais em um universo de 513 parlamentares, e que propostas para criar cotas femininas para as cadeiras na Câmara foram barradas.
“Somos cidadãs recentes, temos direito de votar e sermos votadas apenas desde 1932 e neste século alcançamos o nosso maior índice de representação, mas que ainda é muito menor do que em outros países. Somos o 187º no ranking da ONU em representação feminina dos espaços de poder, e nas Américas ficamos à frente apenas de Belize e Haiti. É muito pouco”, lamentou a deputada. “A representatividade baixa rouba nossa voz.”
Golpe machista
O momento político que o Brasil atravessa também não foi esquecido. A secretária-geral do Sindicato, Neiva Ribeiro, destaca que o governo Temer, que assumiu o Executivo após o golpe, tem trabalhado para aprofundar as desigualdades entre os gêneros.
“A reforma trabalhista liberou, por exemplo, que mulheres grávidas possam trabalhar em locais insalubres, e sabemos que haverá pressão por parte dos patrões para que isso aconteça. A reforma da Previdência também propunha impor perda de direitos conquistados pelas mulheres, especialmente as mais pobres. Este golpe é principalmente contra as mulheres, negras e pobres”, disse Neiva.
A secretária de mulheres da CUT, Elaine Cutis, também lembrou do machismo inerente do governo federal, que começou sem nenhuma mulher entre os ministros de Estado. “No momento que vivemos, em ano eleitoral, é preciso pensar em uma representação comprometida com a extinção da desigualdade entre os gêneros, no fim do feminicídio e na dignidade de todas as mulheres”, conclamou.
Vozes do mundo
Línguas dos cinco continentes foram ouvidas no Largo Terreiro de Jesus. Apesar das diferenças econômicas e culturais, os problemas e as angústias acabam sendo parecidos.
A sindicalista da Central ELA, do País Basco, Espanha, Laura Gonzales, diz que a luta feminista é a mesma no mundo todo, para além das diferenças.
“A luta das mulheres é transversal e acaba fazendo parte de todas as outras lutas. No último 8 de março, realizamos uma grande greve de mulheres na Espanha e a adesão foi enorme, foi uma mobilização histórica. Isso é um indicador de que existe uma consciência cada vez mais forte de que o mundo não tem solução se não acabarmos com o capitalismo e o patriarcado que submetem as mulheres a estas condições”, afirmou Laura.
A transversalidade das pautas também foi citada pela ativista de direitos humanos e militante pela libertação do Saara Ocidental, Cheija Abdalahe. Seu país vive um conflito com o Marrocos, por independência, e sua luta por liberdade e identidade nacional é impactada diretamente pelo machismo.
“O sexismo tem diferentes formas. Na África, essas lutas são abertas, porque o machismo é muito mais literal, muito mais claro. No meu país, tenho de lutar até para ter meu lugar como membro ativo da sociedade, para poder ser uma ativista pelo Saara Ocidental. É uma luta contra o colonialismo e contra o patriarcado”, contou Cheija.