São Paulo – Michel Temer tomou o poder de forma definitiva há quase um ano e desde então tem imposto ao conjunto da sociedade uma agenda de retirada de direitos que até agora penaliza apenas os mais pobres e a classe trabalhadora. Com um Congresso Nacional dominado por empresários e ruralistas e um Judiciário pouco sensível às demandas sociais, a mobilização nas ruas é a única arma da sociedade contra a avalanche de retirada de direitos.
Vejas os principais motivos da greve geral:
1 - Fim dos direitos trabalhistas
Termos sedutores como “modernização das relações de trabalho”, “reforma trabalhista” e “segurança jurídica” são frequentemente empregados pelo governo e pela imprensa hegemônica para tratar de aniquilação dos direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A nova legislação aprovada pela Câmara dos Deputados na quarta-feira 26 determina que o que for acordado entre empresas e sindicatos fica valendo acima da legislação em 15 pontos diferentes, como jornada de trabalho, banco de horas anual, intervalo mínimo de alimentação de meia hora, teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente.
Na prática, isso acaba com a CLT. Em um país onde o sindicalismo ainda é frágil, e parte dele atende aos interesses dos patrões, os acordos dificilmente irão além dos direitos já conquistados na CLT. Em outras palavras, vão retirar direitos.
Além disso, acordos individualizados de livre negociação para empregados com instrução de nível superior e salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS seguirão os mesmos itens do acordo coletivo que prevalece sobre a lei. Mas o acerto individual prevalecerá sobre o coletivo.
Entretanto, em tempos de crise, quando milhões de desempregados se sujeitam a aceitar qualquer condição de trabalho e salarial, qual empregado teria força para negociar termos mais vantajosos no contrato? Dá até para prever uma dessas “negociações”:
Patrão: “Ou se contenta com isso aqui, ou eu contrato outro que aceite.”
Trabalhador: ...
2 – Terceirização
A base aliada de Temer ressuscitou e aprovou em março um projeto de lei de 1998 que regulamenta a terceirização (veja detalhes). Agora, as empresas podem terceirizar todas as suas atividades, até mesmo as principais, como é o caso dos caixas e gerentes nos bancos, metalúrgicos em uma montadora, enfermeiros em um hospital, professor em uma escola.
3 – Reforma da Previdência
Se você não pretende trabalhar até morrer, este é um bom motivo para aderir à greve. A proposta enviada pelo governo determina idade mínima de 65 anos e ao menos 25 anos de contribuição para requerer o direito. Quem quiser contar com o benefício integral terá de contribuir ao INSS por 49 anos. E o que é pior, os argumentos para a necessidade de implantar mudanças que praticamente inviabilizam esse direito são fundamentados em um suposto rombo muito contestado por entidades e especialistas.
O governo acena com pequenas alterações, que ainda não foram aprovadas, mas nada que signifique de fato respeito ao direito de aposentadoria. E engana-se quem acredita que basta contratar um plano de previdência privada.
4 – Desmonte dos bancos públicos
Em 2012, o Banco do Brasil, junto com a Caixa Econômica Federal, foram usados como indutores de redução do spread bancário – o nome dado para a diferença entre quanto o banco paga ao tomar empréstimo e quanto cobra para emprestar no mercado – diminuindo os juros e, consequentemente, barateando o crédito à população.
Os bancos privados se viram obrigados a seguir a mesma política sob ameaça de perderem mercado. Coincidência ou não, pouco tempo depois o país mergulhou em uma crise institucional que culminou em uma ruptura da ordem democrática que levou ao poder um projeto econômico e social derrotado nas urnas em 2014. Desde que Michel Temer assumiu o poder, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal eliminaram milhares de postos de trabalho e desativaram centenas de agências.
O BNDES teve de repassar R$ 100 bilhões ao Tesouro para o pagamento da dívida pública, montante que antes era utilizado para concessão de crédito para o setor produtivo. A TJLP, taxa de juros subsidiada do BNDES utilizada para concessão de crédito mais assecível ao setor produtivo, será eliminada e o banco cobrará juros próximos aos exercidos pelo mercado.
Atualmente, a Caixa ainda é a principal financiadora de crédito imobiliário no país, sobretudo para população de baixa renda. Banco do Brasil financia 70% da agricultura familiar. A quem interessa o encolhimento dos bancos públicos? Com certeza, não à sociedade.
5 – Congelamento dos investimentos na Saúde e Educação por 20 anos
Aprovada em 13 de dezembro do ano passado, a Emenda Constitucional 95 foi o primeiro e um dos principais objetivos do governo Temer. Até então, os recursos para essas duas áreas tinham percentual fixo do orçamento.
Agora, serão corrigidos segundo a inflação do ano anterior. Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, mostra que o Sistema Único de Saúde (SUS) perderá até R$ 743 bilhões com a medida.
Já na educação, cerca de R$ 24 bilhões deixarão de ser investidos por ano, de acordo com a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) da Câmara dos Deputados.
Sem mencionar que os percentuais constitucionais para a educação e a saúde já vinham sendo desrespeitados desde o governo FHC por meio da Desvinculação das Receitas da União, medida essa mantida pelos governos Lula e Dilma. Isso tudo para pagar a dívida pública, um mecanismo de repasse de recursos públicos para as elites que aplicam no mercado financeiro. Economistas afirmam que os juros da dívida pública consomem cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB). A ONG Auditoria cidadã é ainda mais radical. Segundo seus cálculos cerca de 40% do orçamento federal são reservados para o pagamento da dívida pública.
6 – Classes dominantes pemanecem intocadas
O atual governo defende a necessidade de um ajuste fiscal visando o equilíbrio das contas públicas sempre alegando ameaça de "o Brasil quebrar". Entretanto, desde que assumiu o poder, não deu o menor sinal de que pretende alterar qualquer dos inúmeros privilégios que usufrui o topo da pirâmide social, isso em um dos países mais desiguais do mundo. Vamos a alguns deles:
De acordo com o IBGE, a área ocupada pelos estabelecimentos de mais de 1.000 hectares concentra mais de 43% do espaço total cultivável. São os grandes latifúndios voltados para a exportação. Seus (poucos) proprietários são representados por nada menos do que 24% dos deputados e senadores, a chamada bancada ruralista. Além disso, o imposto sobre propriedades rurais (ITR) só arrecadou R$ 864 milhões em 2013. No mesmo ano foram recolhidos R$ 5 bilhões com o IPTU só na cidade de São Paulo, quase seis vezes mais.
Só em 2016, foram sonegados R$ 500 bilhões, o que corresponde a 9% de toda a riqueza produzida naquele ano (R$ 6,266 trilhões). E praticamente não existe punição judicial para sonegador. É um "crime" que compensa.
Os detendores de jatos particulares, lanchas, iates e helicópteros não precisam pagar imposto sobre essas propriedades. Ao contrário de você, que todo ano tem de arcar com o IPVA do seu carro.
Os empresários e acionistas são isentos de pagar tributos sobre os lucros das empresas (graças a Lei 9.249/95, sancionada pelo FHC), mas o trabalhador tem o imposto descontado antes mesmo de receber seu salário.
A taxação sobre a herança gira em torno dos 4% no Brasil. Diferentemente de nações que não são exatamente socialistas como Japão (55%), França (60%), Reino Unido (40%) e Chile (35%)
No Brasil simplesmente não existe um imposto sobre grandes fortunas, mesmo a Constituição Federal determinando sua criação.
Ou seja, motivos para fazer uma greve geral não faltam.