Um dos principais argumentos do governo para convencer a população sobre a necessidade da reforma da Previdência é o combate aos privilégios, que seria feito por meio da correção de distorções entre as aposentadorias dos servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.
Mas o que o governo e a imprensa hegemônica fazem questão de omitir é que essas correções já foram feitas por meio de reformas anteriores do sistema previdenciário.
Antes de entrar nas reformas anteriores, é importante explicar alguns pontos do sistema previdenciário.
Os trabalhadores da iniciativa privada se aposentam pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Nessa modalidade, o teto das aposentadorias é de R$ 5.839,45. Mesmo aqueles que ao longo da vida laboral ganharam salários muito mais elevados e, portanto, contribuíram com mais, se aposentarão com este valor.
Já os servidores públicos se aposentam pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que, segundo especialistas, de fato resultou na ampliação de desigualdades e manutenção de privilégios.
Isso porque os servidores públicos se aposentavam com a integralidade dos seus salários. Ou seja, o funcionário público que ocupou um cargo com salário de R$ 30 mil por mês, por exemplo, tinha o direito de se aposentar com uma pensão equivalente a remuneração do cargo. Entretanto, mudanças ocorridas em anos anteriores corrigiram essas distorções.
Primeira reforma
Desde 2003, os servidores públicos que recebem acima do teto do INSS contribuem permanentemente com uma alíquota de 11%, mesmo após a aposentadoria (Emenda Constitucional 41/03). Segundo especialistas essa contribuição foi fundamental para corrigir distorções, além de gerar receita para a União.
Outras reformas
Os servidores públicos federais que entraram após 2003 não se aposentam com a integralidade de seus salários e não há mais paridade entre os servidores ativos e inativos.
Já os servidores de todos os poderes que ingressaram após 2012, com exceção dos militares, estão limitados ao teto do INSS, como os trabalhadores do setor privado (Emenda Constitucional 70/2012). Caso queiram obter uma aposentadoria maior, devem contribuir separadamente.
“Essa última alteração, ocorrida no governo Dilma Rousseff, foi muito relevante no sentido de equalizar os regimes previdenciários no Brasil”, avalia em artigo Róber Iturriet Avila, doutor em economia e professor adjunto do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O artigo foi publicado originalmente no site do Instituto Justiça Fiscal.
Em 2015, o direito à pensão vitalícia passou a ser apenas para quem possui mais de 44 anos de idade. Já para um dependente de 21 anos, por exemplo, a pensão dura apenas três anos.
Para Avila, as reformas já efetuadas farão um ajuste nas contas previdenciárias a longo prazo e à medida que os novos servidores forem se tornando majoritários, o peso relativo desses nas contas públicas será decrescente.
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“Se ainda há um elevado déficit na previdência dos servidores, ela ocorre pelas regras passadas de aposentadoria e não pelas atuais regras. Nesta medida, uma solução que parece mais justa em termos geracionais é corrigir as distorções passadas e não punir as gerações presentes e futuras”, afirma.
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Propostas
Para reduzir o déficit, Avila sugere aumentar a alíquota de contribuição dos servidores inativos que ganham acima do teto do INSS. Em alguns estados, a alíquota já é de 14%. “Tal medida faz justiça social e gera receita imediatamente para a União. Mesmo a ampliação da alíquota do imposto de renda pessoa física auxiliaria a corrigir as distorções passadas, que são notáveis no Poder Judiciário e no Ministério Público.”
Avila enfatiza que, independentemente do campo ideológico, a sociedade não pode compactuar com inativos recebendo R$ 40 mil mensais de aposentadoria em um país repleto de miseráveis.
“Não podemos, ao mesmo tempo, jogar todo o peso destas distorções passadas nas costas das gerações futuras. Há como corrigir isso via tributos e não restringindo ainda mais os direitos dos mais jovens”, avalia o especialista.
Em 2017, 34,5 milhões de brasileiros recebiam benefícios assistenciais [Benefício de Prestação Continuada] ou do RGPS. O valor médio das aposentadorias e pensões era de R$ 1.241,38, sendo dois terços deles de um salário mínimo.
“Na verdade são estes os ‘privilegiados’ que serão mais prejudicados caso a reforma da Previdência de Bolsonaro seja aprovada. Por isso é fundamental que a sociedade, se informe em canais que de fato defendam seus interesses e se mobilize pelo direito à aposentadoria”, afirma a diretora executiva do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Marta Soares.