Em artigo publicado na Rede Brasil Atual, Denise Motta Dau, ex-Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo e atual Secretária Sub Regional do Brasil na Internacional de Serviços Públicos (ISP) fala sobre a triste realidade para as mulheres: o aumento do femicídio, desemprego, falta de política públicas para às mulheres vítimas da violência doméstica. Ela ainda destaca a precarização e a crescente informalidade do trabalho feminino, os casos de estupro e o abandono pelo gestão tucana em São Paulo, da Casa da Mulher Brasileira.
Leia o artigo na íntegra:
Os últimos dados sobre o aumento da violência contra as mulheres e de feminização da pobreza são péssimos. Na verdade, pavorosos. A cada quatro minutos, uma mulher sofre agressão no Brasil, na maioria vítimas de pessoas próximas a elas. Em média, todos os dias, 180 mulheres são estupradas em nosso país, a maioria negras e agora também com a ampliação do número de crianças violentadas. Também neste caso, a maioria dos criminosos são da família ou conhecidos.
O mercado de trabalho para as mulheres também é outro problema grave que exige a busca de soluções por parte dos governos. Enquanto a média recente de desemprego é de 12%, para as mulheres a taxa é de 14% e para os homens é menor, de 10,3%. Ademais a precarização e a informalidade do trabalho feminino aumentaram e as condições de trabalho, remuneração e jornada pioraram.
Nesse contexto se faz premente o fortalecimento de políticas públicas tanto de prevenção quanto de atendimento às mulheres em situação de violência e também de ampliação das oportunidades de trabalho decente. Portanto, é de causar espanto que a Casa da Mulher Brasileira da cidade de São Paulo neste quase final de 2019 ainda não tenha sido inaugurada, embora sua construção esteja concluída desde 2016.
O que é exatamente a Casa da Mulher Brasileira?
Fruto e parte principal do Programa “Mulher, viver sem violência”, lançado em 2013 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal, esse programa que realizou várias ações, serviços e projetos de combate à violência contra a mulher, entre os quais consta a instalação de uma Casa da Mulher Brasileira (CMB), em cada capital de estado.
Esse programa e a própria criação da Casa da Mulher Brasileira têm uma característica que nem sempre é observada e valorizada pela maioria dos governos. A ideia e a maneira como foi aplicada na prática não vieram da cabeça de um pequeno grupo de técnicos ou burocratas que consideram saber, sozinhos, do que o povo precisa. Tudo foi resultado de uma série de encontros, realizada em diversos pontos do Brasil, com a participação de mulheres de todas as classes sociais, raças, credos, profissões e níveis educacionais. Aqui, em São Paulo, esse encontro aconteceu durante a V Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres, em setembro de 2015 e subsidiou a elaboração do Plano Municipal de Políticas para as Mulheres.
Das propostas apresentadas e debatidas naquela ocasião, uma que se destacou foi a de que era necessária a ampliação de serviços como Centros de Referência da Mulher, Centros de Cidadania da Mulher, Casas de Abrigamento Provisório e Casas Abrigo – essas inclusive de endereço sigiloso – para melhoria da abrangência e da qualidade do atendimento em seus vários aspectos. Eram necessários programas e ferramentas mais eficazes e bem planejados, funcionando de maneira combinada, para combater a violência, o racismo, machismo e homofobia, que afetam a vida das mulheres cotidianamente. As mulheres também propuseram e exigiram a implantação de iniciativas de formação profissional, geração de emprego e renda e aumento da participação social, cultural e política nos diversos espaços.
Esse tipo de serviço – o da CMB – é inédito em nosso país, pois prevê a implantação no mesmo local de diferentes instituições públicas especializadas para acolher a mulher que sofreu violência ou ainda está em situação de violência, a saber: atendimento social, psicológico, jurídico, alojamento de curta duração, Delegacia da Mulher, Juizado Especial, Promotoria Pública , Defensoria Pública, brinquedoteca para as crianças permanecerem enquanto as usuárias são atendidas, capacitação para autonomia econômica e encaminhamento para emprego. Essa concentração de serviços multiprofissionais em um mesmo local e em articulação com o Sistema Único de Saúde e com os serviços da rede de enfrentamento à violência de gênero objetivam garantir maior eficácia e humanização, evitando que a mulher seja obrigada a fazer uma maratona por vários e distantes serviços.
Aqui em São Paulo, a Casa da Mulher Brasileira está situada no bairro do Cambuci, à Rua Viera Ravasco, número 26, acerca de 1,5 km da Praça da Sé. Tem 3.500 metros quadrados, construídos e prontinhos para abrigar adequadamente o atendimento planejado. Inclusive convido você leitora e você leitor a ir até o local observar com seus próprios olhos, pois ao visualizar a arrojada construção vai compreender a inovadora proposta de excelência, qualidade e modernidade que a Casa traz. Nosso objetivo e desejo foi o de criar um espaço bonito, moderno e eficaz, como deveria ser todo o serviço público.
Ao final da gestão do Prefeito Fernando Haddad, em novembro de 2016, nós da – infelizmente extinta pela gestão atual – Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM), em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal, concluímos a construção da Casa da Mulher Brasileira no Cambuci.
A previsão então era de que a inauguração ocorresse até o final do primeiro semestre de 2017. O Governo Federal garantiu a construção e garantiria compra de equipamentos como móveis, computadores e utensílios domésticos. A prefeitura, naquela época, concordou em fazer a manutenção, o que incluía a compra de insumos de funcionamento e limpeza, contratação de vigilância e transporte e, o mais importante, garantir os recursos humanos necessários.
Porém passados quase três anos da conclusão da construção, a Casa da Mulher Brasileira ainda não foi inaugurada. Houve rumores de que sua gestão será terceirizada – o que nos preocupa – e que seria finalmente inaugurada em março deste ano. Depois, a previsão passou para agosto e, agora, para outubro. Será?
Em um cenário de aumento da violência contra as mulheres, vemos a cidade de São Paulo na contramão: temos observado o fechamento e/ou enfraquecimento de serviços, tais como o Centro de Referência da Mulher de São Miguel Paulista que foi fechado, assim como de diversos outros serviços conveniados. Pesam também na atual conjuntura as tentativas de censurar e recolher materiais didáticos que ajudam a prevenir futuras violências, educando e formando meninos e meninas para o respeito mútuo às diferenças e à diversidade, as quais contribuiriam para uma sociedade com maior igualdade de gênero, justa e inclusiva.
A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda todo empenho na prevenção da violência de gênero para que ela não ocorra, mas quando ocorrer, preconiza que serviços especializados são essenciais no atendimento de meninas e mulheres para acolhimento, defesa de seus direitos e também para a punição judicial dos agressores.
Concluo afirmando que serviços do porte da Casa da Mulher Brasileira contribuem efetivamente para a consolidação e fortalecimento da Lei Maria da Penha, e mais do que isso: fazem a diferença entre a vida e a morte de muitas mulheres. A Casa da Mulher Brasileira de São Paulo precisa ser inaugurada, sem mais delongas.